sexta-feira, 21 de julho de 2017

Um passeio musical e virtual por São Luís

É incrível como a tecnologia tem progredido nos últimos anos em termos de informação. Se há vinte anos atrás, para fazermos uma pesquisa, era necessário buscar arquivos de ficheiros, encomendar catálogos de bibliotecas que demoravam meses pra chegar e fazer fichamentos de livros, hoje podemos acessar bibliotecas com um clique, digitalizar o material e levá-lo pra qualquer lugar em um cartão de memória, comprar livros digitais e buscar informações neles apenas com a procura de palavras-chave. Não preciso dizer que estou tirando o máximo de proveito que posso desses recursos.

Como mais um "desmembramento" dessa pesquisa, resolvi fazer uma pesquisa dos locais em São Luís que tiveram significativa importância nas práticas musicais em épocas diferentes, consultando documentos de época e posicionando a visualização dos lugares através do Google Earth. Preparei a lista abaixo segundo os critérios: locais confirmados ou hipotéticos e que pertenceram a instituições ou músicos, em ordem cronológica ascendente. Espero que achem interessante!



1) Locais confirmados

Teatro Arthur Azevedo - clique no nome para visitá-lo
Fundado em 1817 sob o nome de "Teatro União", foi renomeado em 1852 para "Teatro São Luiz" após a grande reforma que teve para receber as companhias líricas nacionais e estrangeiras que circulavam pelo Brasil Imperial. Em 1922, passou a ter o nome que leva até hoje.
Endereço atual: rua do Sol, s/n

Casa dos Educandos Artífices
Instituição dedicada à educação de crianças órfãs, a exemplo da Casa Pia de Lisboa. Funcionou de 1841 a 1889, em um belo rédio do século XVIII. Possuía uma banda, onde os internos tinham aulas com o professor de sopros ou de cordas. Formou vários músicos importantes que atuaram entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX. Seu prédio recebe hoje a Superintendência Federal de Agricultura do Maranhão.
Endereço: Praça da República

Sobrado onde nasceu Catullo da Paixão Cearense (1866-1948)
Nome mais conhecido dos músicos maranhenses do século XIX, Catullo era letrista e tomava de empréstimo melodias principalmente do choro carioca para escrevê-las. Graças à veiculação dessas canções nos primórdios do rádio no Rio de Janeiro, Catullo ficou bastante conhecido na época, porém, continuou pobre por não ter recebido os benefícios da veiculação das mesmas. Há uma placa nesse sobrado (que, inclusive, está bem descaracterizado), afixada conforme indicação do prof. Joaquim Santos.
Endereço atual: rua Oswaldo Cruz, 66

Casarão onde viveu o artista plástico e professor de violino João Manoel da Cunha Júnior (ca.1834-1899)
Pai do violinista e compositor Ignácio Cunha (1871-1955), esse é o possível casarão onde nasceu o músico. João fez parte dos artistas plásticos mais importantes de São Luís da segunda metade do século XIX, ao lado de Domingos Tribuzy (ca.1813-1880), José Maria Billio Júnior (18??-1879) e Luís Ory, tendo boa reputação como retratista. Posteriormente, João se mudou para uma casa em frente à Igreja de São João, onde manteve um ateliê que era frequentado por Aluísio Azevedo e o inspirou na criação de "O Mulato" segundo Nonnato Masson, em reportagem de 1955.
Endereço antigo: rua do Sol, 45

Casa onde residiu o cônego Manoel Pedro Soares, chantre da Sé durante o século XIX
O Cabido da Sé, entidade responsável pela organização da liturgia católica, foi bastante ativo durante o século XIX. Teve como mestres-de-capela o organista, cantor lírico e compositor português Vicente Ferrer de Lyra (ca.1796-1857), o organista francês Theodoro Guignard (18??-1887) e o pianista piauiense Luiz do Rego Lima (1847-1903). Entretanto, o cargo mais importante - em termos financeiros, principalmente - era o de chantre, tendo sido ocupado pelo cônego Manoel Pedro Soares por várias décadas.
Endereço antigo: rua da Saavedra, 23

Palacete da família Soutto Mayor, onde vivia Sinhasinha Santos (ca.1880-1970)
Na primeira metade do século XX, São Luís teve várias pianistas que além de dar aulas de piano em suas casas, organizavam recitais e eventos culturais em suas residências. Esse foi o caso de Jovina d'Almeida Santos, popularmente conhecida como Sinhasinha Santos. Coincidentemente, sua residência veio a receber futuramente o Teatro-Cine Éden, cinema mais longevo da capital maranhense que funcionou entre 1919 e 1984.
Endereço atual: rua Oswaldo Cruz, s/n (altura do n.º 148)

Palacete Emílio Lisboa, onde residiu Lilah Lisboa de Araújo Costa (1898-1979)
O casarão que teve intensa atividade artística durante a primeira metade do século XX é o mesmo que recebe hoje a Escola de Música do Estado do Maranhão (EMEM). Emílio Lisboa, comerciante conhecido na capital maranhense, era um amante da música. Todas as suas sete filhas estuadaram piano, incluindo Hilda Lisboa de Albuquerque Melo (1895-1986), que se mudou para o Rio de Janeiro na década de 1940 e teve uma filha pianista, Undine Lisboa de Albuquerque Melo (1916-2012). Lilah batalhou por muitos anos para manter um movimento musical em São Luís, principalmente através da Sociedade de Cultura Artística do Maranhão (SCAM), criada em 1948 após o fim da Sociedade Musical Maranhense (SMM), liderada por Adelman Brasil Corrêa (1884-1947) entre 1918 e 1947. Felizmente, esse casarão continua sendo um prolífico local para a Música.
Endereço atual: rua da Estrela, 363

Palacete da família de Creusa Tavares da Silva Loretto (1904-1986)
Assim como nos dois casos anteriores, a pianista Creusa Tavares dava aulas em sua residência e promovia recitais. Discípula de Nila Gonçalves de Araújo, pianista que estudou na primeira Escola de Música do Estado com João Nunes (1877-1951), Creusa foi estudar no Rio de Janeiro no Instituto Nacional de Música com o pianista maranhense, retornando posteriormente para São Luís. Contribuiu com o movimento musical da cidade até se mudar em definitivo para o Rio de Janeiro, por volta de 1950.
Endereço antigo: rua Colares Moreira, 476, canto com a rua dos Craveiros
Endereço atual: rua da Paz, 476

Casarão onde funcionou o Casino Maranhense durante a primeira metade do século XX
O Casino Maranhense foi uma das associações que mais apoiaram as práticas musicais em São Luís. Tomaram parte em sua fundação, em 1888, o pianista maranhense Antonio de Almeida Facióla (1865-1936) e o médico e flautista Claudio Serra de Moraes Rêgo (1863-1909). Além de promover concertos, bailes de máscara, soirées e festejos carnavalescos, cedia seu espaço para as reuniões da Sociedade Musical Maranhense (SMM), além de ter sediado uma escola de música criada em 1920 que, depois de ser ampliada em 1922, veio a se tornar a Escola de Bellas Artes.
Endereço atual: rua Oswaldo Cruz, 1.618

Sobrado onde funcionava o Centro Caixeiral
Assim como o Casino Maranhense, o Centro Caixeiral também promovia diversos eventos culturais. Vários músicos do final do século XIX e início do século XX se apresentaram nos seus salões.
Endereço atual: rua do Egypto, 195

Último prédio onde funcionou a primeira Escola de Música do Estado do Maranhão
O tenor, violinista e compositor Antonio Rayol, retornou a sua terra natal no ano de 1900 para assumir sua antiga "Aula Nocturna de Musica", agora oficializada pelo Estado, além de assumir a cadeira de professor de Música do Liceu Maranhense (vaga devido ao falecimento do violinista Luiz de Medeiros (1861-1900), discípulo de Leocádio Rayol e primeiro professor de Música do Liceu, nomeado em 1890) e da Escola Normal. Seu relatório de 1900 serviu como base para o projeto de criação de uma escola de música pública, redigido pelo então deputado estadual Benedito Leite. Assim, em 1901, foi criada a primeira Escola de Música do Estado do Maranhão. Naturalmente, a situação era precária, mas o empenho e boa vontade de professores e estudantes faziam - e sempre fazem - a diferença. Infelizmente, Antonio Rayol faleceu em 1904, tendo assumido interinamente a direção da Escola a pianista Almerinda Ribeiro Nogueira (1880-1944). Em 1906, o pianista João Nunes (1877-1951), recém-chegado de seus estudos em Paris, assumiu então a direção da Escola. Segundo Adelman Correia, em nota publicada no ano de 1923, o pianista deixou o cargo em 1911 devido a divergências com o governo que, por sua vez, fechou a instituição. Esse é o último prédio onde a mesma funcionou, que recebe hoje o Conselho Estadual de Educação.
Endereço atual: rua do Sol, 412

Prédio onde funcionou a Academia de Música do Estado do Maranhão
Quando alguém trata sobre a SCAM - sigla para "Sociedade de Cultura Artística do Maranhão" - vem logo à cabeça o nome de Lilah Lisboa, pianista que criou essa associação em 1948. Porém, trata-se de uma grande injustiça: as conquistas da SCAM sobre a direção do cantor lírico José Ribamar Bello Martins (1927-2001), entre 1956 e 1967, foram extremamente significativas. Houve a criação do Coral do Maranhão, que existiu entre 1962 e 1967 e tinha como objetivo fazer um grupo vocal com a mesma qualidade dos principais coros nacionais, e da Academia de Música do Estado do Maranhão (AMEM), uma tentativa ousada de criar um grande estabelecimento de ensino musical em São Luís. Foram convidados, inclusive, músicos com sólida carreira no exterior para lecionar na AMEM, a exemplo do regente Bruno Wysuj - que também era regente do Coral do Maranhão.
Endereço atual: av. Beira Mar, 232

Última residência do Padre João Miguel Mohana (1925-1995)
O grande "salvador" da música maranhense, o pe. Mohana protagonizou uma pesquisa iniciada na década de 1950 que culminou em seu livro "A Grande Música do Maranhão", publicado pela primeira vez em 1974. Ele traz um relato de informações que o padre, colecionador de partituras, obteve em seu percurso. Graças a ele, temos hoje mais de duas mil partituras disponíveis no Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM), na qual a maior parte foi doada por ele em 1987. Nossa missão, a partir de agora, é editar as partituras, estudá-las e interpretá-las, trazendo novamente à circulação esse repertório legitimamente maranhense.
Endereço: rua Afonso Pena, 113


2) Locais não confirmados

Sobrado onde possivelmente viveu Antonio Luiz Miró (1805-1853) quando chegou ao Maranhão
Pianista e compositor nascido em Granada, na Espanha, Miró se mudou na infância para Portugal. Foi um professor de piano de sucesso, além de ter sido diretor do Teatro de São Carlos, principal casa de óperas de Portugal. Sua reputação chegou à Província do Maranhão, que o contratou para inaugurar e dirigir a primeira temporada lírica do recém-reformado Teatro São Luiz. Contraiu uma doença em 1852, na qual partiu para Lisboa no início do ano seguinte para buscar tratamento. Porém, antes do navio a vapor chegar em Pernambuco, o capitão ficou receoso de que a doença de Miró pudesse contaminar a população, desembarcando-o em um lugar deserto antes de chegar no Recife.
Endereço antigo: rua Grande, 59

Possível sobrado onde morou Sérgio Augusto Marinho (ca.1826-1864) no final de sua vida
Flautista, foi o primeiro professor de Música e de sopros da Casa dos Educandos Artífices. Também compôs acompanhamentos musicais para peças teatrais encenadas no então Teatro São Luiz. Deixou-nos a Novena de Nossa Senhora da Conceição, disponível hoje no APEM.
Endereço antigo: rua da Palma, 21

Sobrado onde possivelmente morou Leocádio Rayol (1849-1909) na década de 1860
O violinista e compositor Leocádio Rayol é um dos nomes mais importantes da música maranhense. Tocou e compôs obras para festejos religiosos, concertos e salões. Sua primeira esposa, a pianista Emilia Moura Rayol (irmã de João Dunshee de Abranches Moura), o acompanhava em vários recitais. Porém, faleceu em 1882, No ano seguinte, Leocádio foi exonerado de seus cargos nos correios e na Casa dos Educandos Artífices, onde era professor de cordas. Mudou-se então para o Rio de Janeiro, participando da vida cultural da cidade. Chegou a ser professor substituto de violino do Imperial Conservatório em 1888. Os dois possíveis sobrados mostrados estão hoje muito alterados.
Endereço antigo: rua da Palma, 50

Possível casa onde vivia o violinista José de Carvalho Estrella (ca.1818-ca.1888)
Presença frequente nas orquestras contratadas temporariamente para acompanhar as companhias líricas que se apresentavam no Teatro São Luiz, José também dava aulas de violino. Em uma reportagem de 1904, ele é mencionado como um dos professores de Leocádio Rayol.

Casa onde possivelmente residiu o flautista Joaquim Zeferino Ferreira Parga (ca.1834-1907)
Formado na Casa dos Educandos Artífices, Joaquim era alfaiate (uma da habilitações profissionais possíveis desse estabelecimento) e flautista. Foi muito atuante durante a segunda metade do século XIX, seja em eventos religiosos ou em concertos no Teatro São Luiz. Regeu o grupo que interpretou a Novena de Nossa Senhora dos Remédios de Antonio Luiz Miró em 1851, possivelmente pela primeira vez, conforme relato de João Francisco Lisboa em livro recentemente publicado. Teve sete filhos, e todos estudaram música, sendo que alguns mantiveram a "Orquestra Irmãos Parga", famosa na época, entre 1904 e 1934. Joaquim Possidonio (1871-1909) era violinista e principal discípulo de Leocádio Rayol, segundo o próprio. Após seu falecimento, o violinista Tancredo Parga (ca.1880-1940) assumiu a direção da "Orquestra". Havia ainda os violinistas Raimundo, Hermenegildo e as pianistas e professoras Anna Parga Baptista e Alzira Parga.
Endereço antigo: rua das Flores, 3
Endereço atual: rua das Flores, 7


Possível casa onde funcionou inicialmente o Instituto Musical São José de Riba-Mar
Maria José Carvalho Moreira, conhecida popularmente como "Sinhazinha Carvalho", também foi uma pianista que dava aulas e promovia apresentações em sua residência. A diferença, no caso dela, foi a criação de um instituto, dando caráter mais "oficial" a sua atividade pedagógica. O Instituto Musical São José de Riba-Mar foi criado em 1918, havendo registros de seu funcionamento até por volta de 1955. Sinhazinha Carvalho fazia parcerias com músicos a exemplo de Pedro Gromwell dos Reis (1887-1964) e Marcellino Maya (ca.1880-1935), que podiam ministrar a aula inaugural de cada semestre e tomar parte em eventos de datas comemorativas, como o Dia de Ação de Graças.
Endereço antigo: rua dos Affogados, 130

terça-feira, 11 de julho de 2017

Música e turismo histórico

Durante o desenvolvimento da parte de Musicologia Histórica da pesquisa na qual tenho me dedicado atualmente, surgiu o interesse de buscar informações sobre músicos maranhenses em cemitérios. Em 2016, quando estava residindo na cidade do Rio de Janeiro, visitei o Cemitério São João Baptista. Encontrei o jazigo de três importantes músicos maranhenses: Leocádio Rayol (1849-1908), Elpídio Pereira (1872-1961) e João Nunes (1877-1951). A partir daí, passei a me interessar por essa atividade - chamada de "necroturismo" e que já é bastante recorrente em outros países - complementando a pesquisa. Apresentarei adiante os resultados parciais da pesquisa até o presente momento.


Cemitério São João Baptista
Localizado no bairro Botafogo, na capital fluminense, é o maior mausoléu a céu aberto da América Latina. Há vários chefes de Estado - entre eles ex-presidentes da República - e artistas enterrados lá. Acesse a página do cemitério aqui. Os músicos maranhenses enterrados nesse cemitério são:

Leocádio Rayol (1849-1909): Q26, sepultura 1.123A

Elpídio Pereira (1872-1961): Quadra 1, sepultura 14.368A

João Nunes (1877-1951): Aléa 4, sepultura 414


Cemitério de São Pantaleão
Popularmente conhecido como Cemitério do Gavião, fica no bairro Madre Deus em São Luís. Fundado em 1855, é o cemitério mais antigo da cidade que ainda está em funcionamento. Como já era esperado, há diversos músicos enterrados no local. Alguns deles são:

Antonio Rayol (1863-1904): o conhecido tenor, violinista, regente, compositor, professor e primeiro diretor da primeira Escola de Música do Estado do Maranhão, que existiu entre 1901 e 1911, foi um dos músicos brasileiros mais importantes de sua época. Está enterrado na sepultura n.º 84 da 12.ª Seção, junto com seu filho Hilton Rayol (1892-1944), que atuou como tenor amador em algumas oportunidades. Curiosamente, a sepultura menciona anos incorretos de nascimento e falecimento de Antonio.


Ignácio Cunha (1871-1955): violinista, compositor e professor de piano, está entre os nomes mais importantes da música maranhense da primeira metade do século XX. Seu jazigo se encontra na 11.ª Seção.

Carlos Marques (1876-1936): pianista, compositor e regente, era sobrinho do médico e historiador Cezar Augusto Marques. Na mesma sepultura, localizada na 1.ª Seção, está sua segunda esposa, Bembém Marques (1901-1976), que também era pianista.


Raimundo Canuto dos Anjos (1884-1940): contrabaixista de jazz conhecido em São Luís, foi um dos fundadores do Jazz Alcino Bílio. Era também barbeiro e proprietário do salão 28 de Julho. Sua sepultura está afixada no muro que divide as duas áreas maiores do cemitério.

Sinhasinha Santos (ca.1885-1970): pertencente à família Soutto Mayor, que residiu por muitos anos no sobrado que se tornou o Teatro-Cine Éden e atualmente recebe a loja Marisa, foi uma conhecida pianista e professora de piano com intensa atividade durante a primeira metade do século XX em São Luís. Seu jazigo, sem numeração, encontra-se próximo à Capela, ao lado da bela sepultura do Dr. Almir Parga Nina.

Chlorys Padilha (1899-1936): professora de música, teve entre seus discípulos o pianista José de Ribamar Passos (1906-1965), o "Chaminé", que foi presidente do Syndicato dos Musicos, pianista e acordenista no Jazz Alcino Bílio, entre outros grupos. Sua sepultura é a n.º 7 da 1.ª Seção.

Milton Ericeira (1918-1992): médico natural de Arari, dedicou-se à música como amador por breve tempo. O Pe. João Mohana encontrou algumas de suas composições, disponíveis hoje no Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM). Está sepultado na 7.ª Seção.

Antônio Vieira (1920-2009): cantor e compositor de canções populares, sendo atualmente um nome reconhecido na música popular maranhense. Seu jazigo se encontra na 7.ª Seção.


Haydée Mattos Collares Moreira (ca.1920-1979): filha do comerciante Antero Mattos e sobrinha do farmacêutico João Victal de Mattos, Haydée atuou como pianista durante sua juventude, quando então fazia aulas com Esther Santos Marques. Sua sepultura se encontra na 1.ª Seção do cemitério.

Lopes Bogéa (1926-2004): natural do povoado de Jericó, em Guimarães, também foi compositor e cantor de canções populares. Sua sepultura está na "parte nova" do cemitério".

Pe. João Mohana (1925-1995): responsável por colecionar partituras, graças a seus esforços uma parte importante da música maranhense foi preservada. Sua coleção está hoje disponível no Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM). Sua sepultura está localizada na 3.ª Seção, n.º 71-B.

Olga Mohana (1933-2013): irmã do Pe. João Mohana, foi cantora lírica, com voz de mezzo-soprano. Foi diretora da atual Escola de Música do Estado do Maranhão (EMEM) entre 1979 e 1982, sendo sua gestão conhecida como os "Anos de Ouro" da instituição. Era também professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Seu jazigo se encontra logo no início do corredor da "parte nova" do cemitério.


Capela Bom Jesus dos Navegantes
Anexa à Igreja de Santo Antônio, em São Luís, há várias pessoas enterradas nessa capela, entre elas Ana Joaquina Jansen Pereira (1793-1869), conhecida proprietária de terras e membro da nobreza maranhense do século XIX. Alguns jazigos encontrados são:

Carlos Antonio Colás (ca.1838-1879): "pistonista" (trompetista) que participava das orquestras contratadas para acompanhar as companhias líricas no então Teatro São Luiz, era filho do clarinetista português Francisco Antonio Colás (ca.1808-1871) e irmão de Francisco Libânio Colás (ca.1831-1885), o primeiro músico maranhense a ter uma carreira em nível nacional. Carlos faleceu por beribéri, uma enfermidade recorrente durante o Maranhão Imperial.

Ladislau Muniz Fernandes (1868-1923): nascido em Vianna na época em que a cidade teve várias gerações de músicos prolíficos, graças principalmente aos esforços de Miguel Arcanjo Dias (1871-1925), Ladislau foi compositor, oficial militar e comerciante, tendo residido em São Luís Gonzaga nas primeiras décadas do século XX, onde faleceu. O Pe. João Mohana encontrou treze de suas obras, cujas partituras estão disponíveis hoje no APEM.

Emilia Moura Rayol (ca.1848-1882): primeira esposa de Leocádio Rayol, também era pianista e irmã do jornalista e político João Dunshee de Abranches Moura (1868-1941), compositor algumas obras, entre elas uma "Ave Maria" que ficou conhecida em São Luís no início do século XX. Emilia estudou com João Pedro Ziegler (1822-1882) no colégio "Nossa Senhora da Gloria", que tinha suas irmãs como diretoras.

Affonso de Britto Pereira (1878-1915): irmão de Elpídio Pereira, seu jazigo está na referida capela.


Catedral Metropolitana de São Luís
 Na Sé do Maranhão, há algumas pessoas sepultadas. Nas lápides próximas ao altar, foram enterrados os bispos e arcebispos. Em uma sala à esquerda da entrada, há sacerdotes e membros do cabido. Destaca-se a seguinte sepultura:

Vicente Ferrer de Lira (ca.1796-1857): natural de Portugal, onde atuou como tenor da Sé de Lisboa, veio para São Luís por volta de 1826 para atuar como mestre-de-capela e organista da Catedral do Maranhão. Sua esposa, Anna Adelaide de Burgos e Lira, também jaz nesse mesmo local.

domingo, 4 de junho de 2017

Crise na OSB ou crise na música "erudita"?

Prezados,

Diante da atual - e conhecida - crise em que está o Estado do Rio de Janeiro, devido única e exclusivamente a uma administração pública irresponsável e corrupta (na qual acredito que pena de morte seria pouco...), a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) também entrou em uma profunda estagnação. Há sete meses sem receber salários - um absurdo para qualquer profissão que existe, não apenas para "médicos, engenheiros e advogados" - os músicos tem se desdobrado para manter sua renda, tocando em eventos, projetos sociais e outras oportunidades que surgem.

Acredito que nesses momentos de crise, é fundamental refletirmos sobre algumas questões que nunca são ditas - especialmente nos tempos de "vacas gordas", onde tudo parece estar bem.

E o que acontecia com a OSB, em tempos de "vacas gordas"?

Não sei se vocês se lembram da administração de Roberto Minczuk, na busca pela "qualidade" ou a "excelência" absoluta pela "perfeição" na performance da Orquestra, que passa por cima de todos os valores humanos e sociais e tratam os músicos como se fossem "máquinas". O ponto de tensão máxima desse contexto foi a carta aberta de Marlos Nobre em 2011 a este regente, disponível adiante:
CARTA ABERTA PARA ROBERTO MINCZUK
Roberto, estou angustiado ao escrever esta carta, ao ver um regente como você envolvido nesta situação constrangedora e triste.
Você, Roberto, não teve ninguém perto de você para lhe abrir os olhos ante a imensa tolice que foi toda esta situação criada na Orquestra Sinfônica Brasileira?
Eu lhe escrevo como um Maestro e compositor que conheceu um Roberto ainda nos seus 10 a 12 anos de idade, participando do Concurso de Jovens Instrumentistas que organizei em 1974 nos “Concertos para a Juventude” na Rede Globo e Radio MEC. Nele, você se destacou com jovem talento, promissor o bastante para que eu lhe desse de presente uma trompa novinha em folha (a sua, na época era impraticável). Lembro anos depois, no seu concerto de estréia como regente da OSB no Rio, ter sido procurado pelo seu velho e honrado pai, com lágrimas nos olhos, me dizendo que aquela trompa estava guardada em um invólucro de vidro, emoldurando a sala de estar da sua casa paterna. Foi extremamente comovente então, ver seu pai visivelmente feliz vendo sua estréia como regente titular da grande e prestigiosa Orquestra Sinfônica Brasileira. Entre outras obras você então dirigiu a Sinfonia “Heróica” de Beethoven. E a nossa OSB respondeu à altura aos seus gestos, dando na ocasião uma intepretação memorável da obra. Estes mesmos músicos que agora sofrem com a implacável perseguição e ira absolutamente incompreensíveis de você, como diretor da OSB.

Pois bem, Roberto, assim como seu pai, um velho e honrado músico, eu aprendi que não é possível fazer música senão com o espírito leve, aberto, ligado apenas no dever maior de intérprete que é o de revelar a grande mensagem de amor, compreensão universal e respeito mútuo que emanam de toda grande obra musical. Não é possível aos músicos renderem o máximo de suas qualidades,  frente à arrogância, à falta de respeito, à imposição, à desumanidade, à inépcia humana de quem está a lhes impor e não a lhes dar condições de criar a maravilhosa mensagem da Música.

Roberto, aquele menino a quem dei uma trompa hoje é motivo da maior decepção que jamais tive em minha vida. Uma decepção profunda e irreversível. Você, e somente você, é o responsável por uma situação inédita na música sinfônica do Brasil, ao submeter uma orquestra inteira a um vexame público demitindo com requintes de crueldade e desrespeito pelo passado deles, mais da metade de seus componentes através de pretextos os mais inaceitáveis possíveis. Nem o pretexto de maior qualidade musical seriam justificação para um tal elevado grau de agressividade humana, artística e pessoal de que vitimas nossos músicos da OSB. Você não respeita idade, serviços prestados, idealismo nem humanidade. Todos estes valores essenciais nas relações humanas e artísticas vão para o ar em suas mãos, neste momento triste da história da música no Brasil.

A destruição dos ideais que sempre foram a grande força da Orquestra Sinfônica Brasileira, Roberto, você não conseguirá. Aliás vejo com tristeza que você está conseguindo se destruir de uma maneira tão perfeita, tão definitiva, tão veemente como jamais o maior inimigo seu seria capaz, nem teria tal grau de imaginação destrutiva.

Sua auto-destruição me choca pois me parece que você, Roberto, entrou em tal processo negativo sem volta nem retorno, pois sequer se dá conta que, não só no Brasil, mas em qualquer país do mundo onde você entrar no palco, para dirigir uma orquestra, terá como resposta o desprezo e a desaprovação do público e do mundo musical.
Como compositor não desejo que nenhuma obra minha seja jamais executada por este arremedo de Orquestra Sinfônica (que me recuso a chamar de OSB pois esta foi destruída irresponsavelmente por você), dirigida por você.

Não autorizo nenhuma obra minha tocada senão pela verdadeira ORQUESTRA SINFÔNICA BRASILEIRA que aprendemos a amar, a reverenciar e a proteger, de desmandos de eventuais passageiros da desesperança, da agressão moral e do desrespeito.
MARLOS NOBRE

Pois bem. Agora, os "sobreviventes" da OSB estão sem receber salários há sete meses. Depois de tanto trabalho árduo, sob uma situação de tensão total mesmo no periódo de "vacas gordas", o que esse maestro teria a dizer agora?

Aqui, entra a minha reflexão.

O mercado da música "erudita" não difere em nada do mercado da música "popular". Ele também é cruel, atropela questões humanas e seleciona os indivíduos mais "aptos" para entrar na mídia comercial. No caso da música "erudita", a maior diferença é que eles vendem "excelência" e "qualidade". Entretanto, pergunte a eles o que significa "qualidade"... eles vão te responder com um amontoado de preconceitos, jargões, estereótipos e outras justificativas dogmáticas pra defender sua posição no "mercado da excelência"...

PS: quem tiver interesse, veja os comentários dessa reportagem para entender melhor sobre o que estou
tratando.
A música "erudita" precisa existir por si só. Justificar sua existência apenas porque ela seria "melhor" do que outros tipos de prática musical é, em sua essência, decretar sua total irrelevância. E, naturalmente, o apoio financeiro vai se esvaindo diante disso.
 O que estou dizendo aqui é que precisamos refletir urgentemente sobre a posição social em que se encontra a música erudita hoje. Em um mundo que traz hoje questões sobre democracia, inclusão social, ampliação do acesso ao conhecimento e, principalmente, DIVERSIDADE CULTURAL, como é possível manter uma prática musical sob o argumento de que ela é simplesmente "melhor" ou de "qualidade"? Melhor pra quem? Para aqueles que já são beneficiados pelo sistema?

Eu sou músico "erudito". Porém, não faço parte do "mainstream" de concertos e tournées da música "erudita". E o argumento sempre defendido por aqueles "beneficiados", contra pessoas como eu, é a "qualidade" do seu trabalho. Então, questiono: esse conceito de "qualidade" não é utilizado apenas para manter as estruturas de poder e a seleção de quem "pode" ou "não pode" ter suas produções artísticas veiculadas?

Obviamente, para quem está no "sistema" isso soa como uma afronta. Assim como o Wesley Safadão não questiona o sistema midiático de convenções do Sertanejo Universitário que o mantém ganhando o seu dinheiro.

E a música erudita, meus amigos, não é diferente. Ela apenas vende "qualidade" - e um conceito de "qualidade" que não resiste a um simples questionamento. Basta fazer algumas perguntas que os "beneficiados" vem argumentar sobre o "desconhecimento" ou "incapacidade" de quem levanta esses questionamentos.

E eu, músico erudito, também faço parte desse hall de "ignorantes". Pois questiono o tempo todo essas valorações de "qualidade" que a música erudita usa pra se vender.

Novas perspectivas?

Sempre quando levanto questionamentos, gosto também de propor alguns direcionamentos que possam contribuir para a situação. Mesmo que não contribuam de fato, espero que a intenção seja interpretada como positiva.

O que tem feito os músicos da OSB nesse momento de "crise"?

Eles tem tocado em casamentos, eventos públicos e outros tipos de atuação em que os músicos tem historicamente desempenhado papel relevante. Trata-se de um fato importante aqui: esse é o campo de atuação da grande maioria dos músicos formados por nossas Universidades e que não tem um espaço em uma orquestra como a OSB. Sendo assim, trata-se de um momento para reconhecer que todas as atuações no campo da Música tem a mesma importância social, independentemente da "qualidade". Esse conceito, por sua vez, tende a se tornar irrelevante, principalmente em termos pedagógicos: cada músico tem sua história, seus desafios e sua superação. É cruel avaliar suas experiências através de um conceito estático e redutivista de "excelência", que tende a ignorar toda a sua trajetória musical e os desafios enfrentados nesse percurso.

Ao mesmo tempo, "descer do pedestal" permite que os músicos se aproximem da sociedade, e não tenham sua prática restrita apenas àquelas apresentações naquele ambiente restrito e elitista em que a música "erudita" consolidou: a sala de concerto. Há iniciativas muito interessantes nesse sentido, como o bar "Desconcertando", onde você pode ver quartetos de cordas tocando obras clássicas e românticas enquanto o público bate papo e toma uma cerveja. A música erudita precisa, mais do que nunca, desse tipo de espaço. Mas para isso, os músicos "eruditos" precisam colaborar e entender a importância desse tipo de iniciativa.

Por fim, toda crise é, de certa forma, uma oportunidade. E no caso da OSB, uma oportunidade para refletir sobre toda a sua trajetória. Isso sim é "qualidade".

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Festejos juninos: uma comparação

Caros,

Recentemente, meu colega e amigo prof. Leonardo me enviou a programação cultural dos Festejos Juninos do São João de Porto, em Portugal, uma cidade cuja zona metropolitana possui cerca de 1,76 milhão de habitantes. Abaixo, fiz uma síntese de alguns dos tipos de atividade cultural que acontecerão diariamente, conforme anúncio na página do evento - http://www.portolazer.pt:
  • Coro infanto-juvenil;
  • Festival de circo "Trengo";
  • Atividades para a terceira idade;
  • Arquitetura e turismo patrimonial;
  • Shows e concertos ao pôr-do-Sol, promovidos pela Casa das Artes do Porto;
  • Mercado de artesanato;
  • Mercado do Porto, com venda de CDs, discos de vinil, quadros e roupas antigas, entre outros;
  • Festival de cervejas artesanais;
  • Festival de Jazz & Blues;
  • Festival de música eletrônica dançante;
  • Feira de livros;
  • Encontro de Design.

Já nos Festejos Juninos do São João do Maranhão, que acontecem na capital São Luís (com cerca de 1 milhão de habitantes) e são noticiados como possuidores de "atrações variadas" pela Secretaria de Cultura e Turismo - SECTUR - os tipos de atividade cultural serão os seguintes:
  • Grupos de bumba-meu-boi;
  • Grupos de tambor-de-crioula;
  • Quadrilhas;
  • Blocos tradicionais;
  • Barracas com culinária local;
  • Shows de artistas famosos.

Dá pra entender agora o porquê da insatisfação de tantos profissionais que atuam no setor cultural do Maranhão...

sábado, 27 de maio de 2017

Uma análise das políticas culturais no Maranhão em Junho de 2017

Um dia após terminar a participação no VIII Seminário Internacional de Políticas Culturais, realizado na Casa Rui Barbosa no Rio de Janeiro, recebi a informação do bibliotecário Jailton Lira de que a Secretaria de Cultura e Turismo (SECTUR) do governo do Maranhão havia publicado editais para realização de eventos culturais e artísticos.

Essa notícia foi uma grande surpresa, tendo em vista que desde a criação do Departamento de Cultura do Estado em 1953 - momento que marca o início da intervenção do governo em assuntos ligados a esse setor no Maranhão - nunca havia sido publicado um único edital que permitisse a participação de quaisquer "fazedores de cultura" (termo utilizado no supracitado Seminário) independentemente de sua condição social ou proposta estética, conforme os registros disponíveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional e no portal da SECTUR.

Nos últimos anos, a única entidade que realmente tem empreendido iniciativas democráticas para o setor de Cultura no Maranhão, em nível estadual, tem sido a Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão - a FAPEMA. Houve a publicação de editais para bandas de música (formação que em Minas Gerais é contemplada através de um Programa - "Bandas de Minas"), formação de orquestra através de estudantes, apoio a projetos culturais e artísticos em escolas e prêmios para mestres da cultura popular. Esse último, inclusive, deveria ser uma obrigação da SECTUR, já que a única política cultural do Estado desde a década de 1970 - instituída por Domingos Vieira Filho - se baseia na espetacularização e exploração turística dos folguedos maranhenses e, naturalmente, de seus mestres, cantadores e "brincantes".

Entretanto, o setor de Música está em situação "menos pior" do que dos colegas de Teatro, Artes Visuais, Dança, Literatura (bibliotecas e acervos). A área de Dança, por exemplo, sequer tem um curso superior no Estado.

Vamos, então, analisar mais detalhadamente esses editais recém-publicados da SECTUR, para conferir se eles de fato cumprem o papel de "democratização" ao qual essa secretaria se propõe.


EDITAIS

Foram publicados quatro editais, cujas informações básicas são apresentadas em seguida:

1) Edital 03/2017, "Praça do Reggae": destinado a apoiar apresentações, oficinas e feiras nesse espaço cultural (fica na rua da Estrela) e ligadas a esse gênero musical em todas as quintas-feiras até 14 de dezembro de 2017. Inscrições até o dia 07 de julho. Valores de apoio aos participantes: R$ 500,00 para DJs, R$ 3.000,00 para bandas/shows/radiolas e R$ 2.000,00 para "outras expressões culturais".

2) Edital 04/2017, "Concha Acústica": destinado à realização de apresentações musicais, teatrais e circenses nesse espaço (fica na Lagoa da Jansen) desde que sejam voltadas ao público infantil, durante todos os sábados até o dia 16 de dezembro de 2017. Inscrições até 21 de junho. Valores de apoio aos participantes: R$ 2.000,00 para teatros/circo e R$ 3.000,00 para bandas/shows.

3) Edital 05/2017, "Quarta do Tambor": voltado para a ocupação da Praça da Faustina com apresentações de tambor-de-crioula, durante todas as quartas-feiras até o dia 13 de dezembro de 2017. Inscrições até 21 de junho. Valores de apoio aos participantes: R$ 1.500,00 para cada grupo.

4) Edital 06/2017, "Casa do Maranhão": voltado à realização de apresentações de grupos de bumba-meu-boi e blocos "tradicionais" nesse espaço cultural ao longo do ano, até 16 de dezembro de 2017. Inscrições até o dia 21 de junho. Valores de apoio aos participantes: R$ 6.000,00 para os grupos de bumba-meu-boi e R$ 4.000,00 para blocos tradicionais carnavalescos.

5) Edital 07/2017, "Espigão Costeiro": destina-se à realização de apresentações musicais/shows e performances culturais aos domingos, até dia 17 de dezembro de 2017. Inscrições até o dia 21 de junho. Valores de apoio aos participantes: R$ 1.000,00 para artistas solo e R$ 3.000,00 para bandas/shows.


ANÁLISE

1) Conquistas

A iniciativa de "ocupar" os espaços culturais do Estado é uma iniciativa louvável. No estudo que defendi no Seminário informado anteriormente, dei o exemplo do Programa de Gratuidade de Pautas para os Espaços Culturais da SECULT, da Secretaria de Cultura da Bahia (SECULT/BA). Além disso, os espaços devem ser adequados às propostas culturais a serem realizadas - fato que é percebido nestes editais da SECTUR. Entretanto, cabe destacar que seria interessante a democratização de outros espaços, a exemplo dos teatros Arthur Azevedo, João do Vale, dos museus e dos Centros de Cultura Popular e de Criatividade. Assim, outros tipos de práticas culturais - da cultura "erudita" (que também deve ter o mesmo direito de existir!), de exposições de arte, intervenções teatrais, mostras de filmes e espaços de leitura, entre tantas outras atividades possíveis.

Outro aspecto positivo é a intenção da SECTUR em promover uma agenda cultural. Entende-se, assim, que os artistas, mestres da cultura popular, cantadores, brincantes, produtores culturais, técnicos de áudio, iluminação e outros profissionais do setor da Cultura precisam de atividades regulares, favorecendo a sua profissionalização. A concepção que era adotada até então, de apoiar apresentações somente em datas festivas, além de não oferecer acesso cultural regular tanto à população quanto atividades para quem "faz cultura", dissemina o péssimo conceito de Cultura como "entretenimento". Isso precisa urgentemente ser desconstruído, e parabéns a SECTUR por prover uma iniciativa que também é valiosa em termos de ideologia.

O terceiro ponto positivo dos editais - e o mais evidente - é permitir que qualquer proponente possa fazer parte da agenda cultural. Esse era um problema gravíssimo especialmente nos festejos juninos até 2014: uma equipe interna da então Secretaria de Cultura escolhia a dedo os grupos que poderiam participar. Nem é necessário dizer que havia determinados grupos privilegiados nesse processo. Mais uma vez, é louvável a iniciativa da SECTUR em publicar editais - um elemento que, apesar de ter os seus problemas, é um instrumento que contribuiu efetivamente para o exercício da democracia.

2) Considerações

Naturalmente, como todo processo de implementação de uma nova política pública, avaliações com vistas a melhorias devem ser feitas. O primeiro aspecto que chama a atenção é a delimitação estética de quem pode atuar conforme o tipo de atividade cultural. É certo que os espaços devem ser adequados aos tipos de evento, porém, ainda há uma forte delimitação que privilegia determinados tipos de prática cultural. Aqui, percebe-se a continuação do conceito estabelecido do que seria "cultura maranhense", instituído pelo Estado desde a gestão de Domingos Vieira Filho, com o apoio de José Sarney. O público precisa saber que o Maranhão foi um centro cultural cosmopolita durante o século XIX: o Teatro Arthur Azevedo possuía uma média de 3 récitas de óperas e operetas por semana; havia soirées (encontros noturnos de música, récita de poesias e exposição de quadros), bailes de máscaras, festejos religiosos,  e serestas, por onde circulavam tanto artistas estrangeiros quanto locais e pessoas de todas as classes sociais, em uma época onde os conceitos de "erudito" e "popular" se fundiam. O tenor, organista e professor de música Vicente Ferrer de Lyra (ca.1796-1857), por exemplo, escreveu motetos para serem interpretados pelo coro não da Capela Cistina ou de Notre Dame, e sim da Catedral do Maranhão! Por isso, essa produção deve possuir a mesma legitimidade de "maranhense" quanto o bumba-meu-boi, por exemplo - que, inclusive, surgiu na Bahia ou em Pernambuco, e não no Maranhão. Desconstruir esse conceito fechado de "cultura maranhense" deve ser uma missão a ser assumida, com vistas a instituir uma nova política cultural para o Maranhão.

Como consequência da delimitação estética, vários grupos culturais e artísticos não tem sequer chance de se escrever nos editais - com exceção do Edital n. 07/2017, do "Espigão Costeiro", que não define características estéticas de atuação. Por esse mesmo motivo, é provável que esse edital se torne um "guarda-chuva", onde irão se inscrever, por exemplo: bandas de fanfarra ou marciais, grupos de repentistas e violeiros, grupos de espetáculo teatral, grupos de dança popular, contemporânea ou tradicional, bandas de rock independente, bandas de jazz, blues e bossa nova, récitas de poesias... por esse motivo, é preciso reconhecer a real pluralidade da "cultura maranhense". Administrativamente, isso implica em buscar formas de não delimitar a proposta estética nos editais - a exemplo do que fez a FAPEMA no Edital 018/2017 - "Com Ciência Cultural".

Outra questão diz respeito às áreas das Artes contempladas. Mesmo fazendo parte da área de Música, reconheço que os editais publicados não oferecem a mesma abertura para essa área frente a Teatro, Artes Visuais, Dança, Literatura ou Audiovisual. Quem trabalha com Teatro, por exemplo, teria de adaptar seu espetáculo para o público infantil caso quisesse ter acesso por meio do Edital 04/2017, ou então tentar o edital "guarda-chuva" (07/2017). É importante ter isso em mente da próxima vez.

Com relação aos documentos solicitados, acredito que a SECTUR exagerou. A apresentação de um portfolio é válida, e serve como base para a avaliação pelas comissões dos editais. Agora a "Comprovação de consagração do artista pela crítica especializada ou pela opinião pública, conforme preconiza o artigo 25, inciso III da Lei Federal nº 8.666/1993", entre outros, é um tanto bizarra, principalmente impede a participação de artistas e bandas que pretendem entrar na agenda cultural. Pergunto: os artistas convidados pela SECTUR para os eventos de Revéillon, a cachets altíssimos, também são obrigados a apresentar esses documentos? Com certeza não. O envolvimento de "empresários", conforme solicitado em vários ítens, obriga os grupos  a serem gerenciados por um administrador, e isso não existe no caso de bandas e artistas independentes - sendo um potencial fator de exclusão para esses grupos. Curiosamente, o pedido de documentos também é excessivo para os grupos tradicionais, como os de tambor-de-crioula, bumba-meu-boi e blocos tradicionais. A conclusão é de que a documentação exigida não condiz com a proposta de "democratização" das ações culturais.

Por fim, é necessário apontar que essa pequena mudança na política cultural da SECTUR ainda está longe de atingir os objetivos dispostos no Plano Estadual de Cultura, o documento mais importante do setor em nível estadual - e que revela de forma mais clara a real amplitude da "cultura maranhense" em todo o Estado. Com vigência entre 2015 e 2025, uma ação importantíssima que ele prevê é a descentralização das ações culturais. As cidades e povoados do interior também precisam ter o mesmo direito de acesso a atividades culturais, tanto a população quanto os "fazedores de cultura". A política da SECTUR continua focando em São Luís, ignorando completamente o que acontece no Sul do Maranhão. Houve iniciativas anteriores com vistas a atenuar esse problema, como o "Projeto EMEM Itinerante", que levou professores da Escola de Música do Estado do Maranhão (EMEM) a treze municípios do interior entre 2013 e 2014, realizando intercâmbio e ações pedagógicas.


FINALIZAÇÃO

Os avanços da SECTUR devem ser reconhecidos, principalmente porque as políticas culturais do Maranhão se basearam por cerca de 50 anos na espetacularização turística da cultura afro-brasileira - onde quem menos se beneficiou foram justamente os "fazedores de cultura". Tratei sobre a história das políticas culturais maranhenses nesse artigo, para quem possa se interessar. É interessante, agora, ir tateando as possíveis mudanças, sempre refletindo sobre os impactos através do diálogo com a sociedade. A perspectiva é de que o Maranhão possa finalmente superar aos poucos o seu atraso histórico na Cultura e nas Artes.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

A ligação entre Belas Artes e Música no Maranhão

Olá!

Conforme tratamos em várias oportunidades anteriores, São Luís foi uma cidade que teve um interessante movimento artístico durante o século XIX. Lamentavelmente, esse embrião prolífico para as Artes foi se desfazendo ao longo do século XX, marcado pela atuação de alguns artistas que literalmente "carregavam o mundo nas costas", na tentativa de manter essas práticas.

Uma história de descontinuidades e de lembranças de um passado promissor que se dissipou no presente... esse seria um possível resumo, a grosso modo, da História das Belas Artes e da Música no Maranhão. No caso das Artes Visuais, elas nos deixaram os registros de imagem mais antigos da região.

Expulsão do pe. Antonio Vieira e outros Jesuítas do Maranhão, representada em gravura do século XVIII

Panorama de São Luís, por Giuseppe Leone Righini (ca.1820-1884), circa 1860


Conforme informações do interessante blog "Arte Maranhense", do professor e artista João Carlos Pimentel Cantanhêde, alguns artistas estrangeiros foram residir em São Luís durante o século XIX. Mantinham-se principalmente através de aulas particulares e nas instituições de ensino que, na época, tinham a prática artística como componente curricular. Esse era o caso tanto das Artes Visuais quanto da Música.

Catedral da Sé do Maranhão, por Bernard Lemercier (circa 1860)


Um dos principais nomes da pintura maranhense no século XIX - se não o mais importante - é Domingos Tribuzy. Segundo informações da "Brasil Artes Enciclopédia", esse artista italiano nasceu em Roma. Encontramos evidências de que ele nasceu entre 1811 e 1812. Estudou na Academia São Lucas nessa cidade, especializando-se em desenho linear e pintura de figura e paisagem. Em 1829, estabeleceu-se em São Luís. Foi o primeiro professor de Desenho do Lyceu Maranhense, instituição onde atuou até sua aposentadoria, em 1874, quando se aposentou após 30 anos de contribuição - supomos, então, que ele ingressara nessa escola em 1844. Lecionou no Collegio de Nossa Senhora dos Remedios, mantido pelo português Domingos Feliciano Marques Perdigão (1808-1870), bacharel em Teologia e também professor de Música, e na Casa dos Educandos Artífices, instituição que teve importante atuação na formação musical maranhense da época. Tribuzy também dava aulas em casa ou em domicílio, indo às casas de seus aprendizes.

Em sua residência, Tribuzy também recebia artistas estrangeiros em trânsito, comercializava materiais de pintura, desenho e música. Em sua dissertação de Mestrado, o prof. João Neto menciona a venda de cordas para violão na casa de Tribuzy em 1852. Certamente tal fato se dava devido tanto a uma forma de aumentar sua remuneração quanto suprir a falta de estabelecimentos comerciais especializados na venda desses materiais - vimos, como exemplo, que o Maranhão nunca teve uma tipografia musical regular, havendo apenas algumas partituras impressas em momentos específicos.

Após sua aposentadoria, Tribuzy continuou dando aulas particulares de desenho e pintura. Em 1879, decidiu se mudar em definitivo para Belém, especialmente para se curar de beribéri, uma enfermidade recorrente no Maranhão nessa época. No início do ano posterior, sua esposa, dona Custodia Tribuzy, faleceu. Pouco depois foi a vez do artista, que faleceu no dia 7 de junho de 1880, sendo enterrado no então cemitério público da capital paraense.

Domingos Tribuzy deixou como discípulos vários artistas que tiveram relevante atuação no Maranhão, especialmente durante a segunda metade do século XIX. Dentre eles, destacamos João Manoel da Cunha Júnior (ca.1833-1899), que também era violinista e foi pai de Ignácio Manoel da Cunha (1871-1955), importante músico maranhense; e João Maria Billio Junior (18??-1879), progenitor da geração de músicos conhecida como os "Irmãos Billio" - Ignácio (ca.1860-1924), o mais famoso e que também estudou desenho com o pai, cuja biografia já fora tratada por nós; Marçal (ca.1865-1921) e Hygino (ca.1870-ca.1955). Notamos, portanto, um forte elo artístico entre Artes Visuais e Música. Para aumentar essa "coincidência": os "dois Ignácios" - Cunha e Billio - além de serem filhos de artistas plásticos, faziam aniversário no dia 31 de julho!

Diálogo na primeira metade do século XX

A Escola de Bellas Artes, fundada em 1922 e que funcionou até o início da década de 1930, foi uma primeira tentativa de instituir um estabelecimento de ensino artístico mais abrangente no Maranhão, a exemplo das Academias de Bellas Artes que havia no Amazonas e no Rio de Janeiro. Essa escola, na verdade, foi criada a partir de uma iniciativa da Sociedade Musical Maranhense (SMM), liderada por Adelman Corrêa (1884-1947) que a fundou em 1918. No ano de 1920, a SMM instituiu uma escola de música particular, que funcionava no prédio do Casino Maranhense - que, na época, funcionava atrás do atual prédio da Academia Maranhense de Letras. No final de 1921, foram convidados artistas plásticos, arquitetos e literatos para compor o corpo docente dessa escola, que a partir de então foi renomeada para "Escola de Bellas Artes". Nesse momento, o diretor era o trompetista e professor João José Lentini (1865-1940), natural da Bahia e que estabeleceu residência no Maranhão. Segundo João Carlos Cantanhêde em seu blog, quem atuou na cadeira de desenho foi o artista cearense José de Paula Barros (ca.1875-1926), que teve relevante atuação nas Artes Visuais do Maranhão nesse momento.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Políticas Públicas de Cultura do Estado do Maranhão

Encaminho adiante uma mensagem compartilhada em rede social no dia 12 de abril de 2017 (reformulada):




Engraçado... aqui no Maranhão, as pessoas só se interessam pelos mestres das culturas "folclóricas" e tradicionais...

E os mestres das bandas marciais e de fanfarra do interior, que tanto movimentam a cultura nas cidades e povoados desde o século XIX?

E os artistas, que durante a segunda metade do século XIX abrilhantavam o Teatro Arthur Azevedo com espetáculos de teatro, companhias líricas e óperas?

E os músicos, que organizavam sociedades de concertos, bailes carnavalescos, grupos de câmara e eventos nos navios a vapor, cinemas mudos e na Rádio Timbira, quando essa transmitia apresentações ao vivo?

E os cristãos, que desde o período colonial trouxeram valiosa contribuição à música através da prática religiosa, inicialmente pela Igreja Católica e depois através das Igrejas Evangélicas?

Isso sem mencionar outras inúmeras manifestações e práticas artísticas e culturais que os maranhenses realizam, sejam de teatro, artes visuais, dança, literatura, design, audiovisual e patrimônio, entre outros, sob a ignorância total de um governo que impõe na sociedade um conceito preestabelecido de "identidade maranhense".

Nada disso jamais foi considerado "cultura" pela Secretaria de Cultura (e agora, Turismo! Que ilustrativo!), que desde a era Domingos Vieira Filho, só usa os mestres da cultura popular - sem prover ações que os beneficiem em longo prazo ou que garantam a permanência de suas práticas - apenas para vender produtos exóticos a turistas durante os "festejos" - ou seja: ENTRETENIMENTO.

BASTA DE POPULISMO!!!

COMPARTILHEM ESSA MENSAGEM SE ACREDITAM NO FIM DESSA POLÍTICA CULTURAL EXCLUDENTE QUE EXISTE NO MARANHÃO DESDE A DÉCADA DE 1960. HÁ UM PLANO ESTADUAL DE CULTURA APROVADO PELA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA EM 2014, VAMOS COBRAR QUE O GOVERNO CUMPRA SUAS METAS E REFORMULE A POLÍTICA CULTURAL DO ESTADO!

segunda-feira, 13 de março de 2017

Um lindo texto

Recebi recentemente um texto excelente intitulado escrito por David Ackert, colunista norte-americano do jornal "Los Angeles Times", sobre musicistas. Entretanto, essa página afirma que esse texto, escrito há cerca de vinte anos, referia-se originalmente a atores, e foi posteriormente adaptado para os musicistas. Independentemente disso, já que o mesmo poderia ser adaptado para qualquer profissão ligada às Artes, seu autor captou perfeitamente a essência de nossos principais sonhos e inquietações. Só lamento ter demorado a conhecer esse brilhante texto. Segue adiante uma adaptação da tradução que recebi do mesmo, com base no "original":

Músicos são algumas das pessoas mais determinadas e corajosas do planeta. Eles lidam todo dia com mais rejeição do que muita gente terá de conhecer em toda vida.
Todos os dias, encaram o desafio financeiro da vida de freelancers, o desrespeito dos que acham que eles teriam de procurar empregos de verdade e seus próprios medos de nunca mais arranjarem trabalho.
Todos os dias, precisam ignorar a possibilidade de terem dedicado suas vidas a uma ilusão. E quando tocam, cada nota demanda esforço físico e emocional lado a lado com o risco de críticas e julgamentos.
Passam-se os anos e eles assistem às pessoas de sua idade conquistando os marcos normais da vida adulta: a casa, o carro e a família.
E por quê?
Porque os músicos desejam mais do que tudo dar suas vidas a um momento - uma melodia, acorde, letra ou interpretação que atingirá a audiência e tocará sua alma.
Músicos são seres que experimentam o néctar do lugar em que sua criatividade toca o coração dos outros. Ali, estiveram mais perto da magia, de Deus e da perfeição quanto é possível a alguém chegar.
E em seus próprios corações, sabem que a dedicação a isso vale mais que mil vidas.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

"No Brasil, ninguém é branco"...

Recentemente, li uma reportagem sobre um show da cantora "Anita" em Salvador. Acesse-a no endereço a seguir:

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2017/02/1861875-no-brasil-ninguem-e-branco-diz-anitta-sobre-apropriacao-cultural.shtml

Achei essa notícia especialmente interessante, pois permite abordar duas questões ótimas para discussão no aspecto do que se entende por "cultura", além de revelar uma face verdadeiramente macabra de nossas Políticas Públicas de Cultura.

A primeira questão que se apresenta é o mais novo mimimi dos "movimentos sociais": a "apropriação cultural". Isso levou a dita cantora a afirmar que "no Brasil, ninguém é branco". Mas ela só não disse (ou preferiu não dizer, fato totalmente compreensível) que, igualmente, no Brasil ninguém é preto. O Brasil é um dos países onde mais houve miscigenação racial - e, obviamente, "miscigenação cultural". O intercâmbio entre várias culturas é nossa característica mais forte. Tome como referência qualquer gênero associado à cultura "afro-brasileira": samba, maracatu, afoxé, carimbó que é perceptível tanto a influência dos descendentes da África subsaariana (no Brasil, fala-se de "África" como se fosse uma "coisa" só; a África é um continente riquíssimo, que inclui tanto a África do Sul quanto o Egito, o Marrocos quanto o Moçambique; e a África quase não tem negros na região saariana), dos indígenas e dos "brancos" (portugueses, espanhóis, italianos, alemães, poloneses, árabes, libaneses, japoneses e chineses, entre os mais presentes). A essa altura do campeonato, falar em "apropriação cultural" é simplesmente ridículo. É infinitamente mais sensato pensar em intercâmbio cultural: as culturas dialogam, se cruzam e se fundem, independentemente de etnia, território ou época. Se for pra processar Camargo Guarnieri, Lorenzo Fernandes, Villa-Lobos e os demais compositores por "apropriação" da cultura afro-brasileira, processem também Chiquinha Gonzaga, Donga, Pixinguinha e Giberto Gil por "apropriação" da cultura europeia - que eles também tomaram de empréstimo.

A segunda questão diz respeito ao assunto que tratamos exaustivamente na "primeira fase" desse blog: as Políticas Públicas de Cultura. Percebam a seguinte frase:
É a segunda vez que a cantora carioca desfila na Bahia. Desta vez, numa festa de graça para o público, contratada pelo governo do Estado por estimados R$ 160 mil.
Observem bem a "mensagem subliminar" que aparece nesse breve texto: a imprensa e, provavelmente, a grande maioria do "público" tem a noção de que essa festa foi gratuita - e, naturalmente, "democrática", pois todos poderiam ir sem ter de pagar ingressos em um recinto fechado. Porém, a cantora foi contratada com recursos públicos - "estimados" em R$ 160 mil, ou seja: além do próprio povo ter subsidiado esse show "gratuito" através de impostos, sequer há uma política de transparência pública, o que nos obriga a "estimar" os custos para o já escasso dinheiro da Cultura - o setor que certamente pagou esse "desfile". Como de costume, esses "shows" de ano novo, carnaval e festejos são organizados por uma comissão interna da Cultura, que decide quais artistas devem ir ou não - ao invés de abrir um Edital para que todos os artistas de fato tenham ao menos uma oportunidade igualitária de concorrer. E assim tem sido caracterizada a gestão da Cultura nos Estados brasileiros: a Bahia, nesse caso, contratou um artista de fora por um alto valor, ao invés de apoiar artistas independentes de seu Estado ou não - e que, inclusive, fariam shows artisticamente tão bons quanto o dessa cantora, por um valor bem mais baixo. Será que só a "fama" justificaria isso?

A parte posterior dessa reportagem mostra como essa "indústria" dos artistas "famosos" não é fruto apenas uma gestão "mal organizada" - e, aparentemente, inocente - da Cultura. Há interesses BRUTAIS na jogada. Junto com esses artistas famosos e o público que pensa estar participando de uma festa "gratuita", as grandes empresas e os vagabundos políticos crescem o olho para esse verdadeiro esquema de monopólio de vendas e propaganda política. Vejam só que beleza:
Na frente e ao lado do trio, um grande logotipo do banco Bradesco. O desfile é bancado pelo governo do Estado, com recursos de patrocinadores, incluindo o Banco do Brasil, que pagou R$ 500 mil. Os recursos captados pelo governo, de valor não divulgado, pagarão o cachê de Ivete e de outros quatro artistas: Anitta, Saulo, Carlinhos Brown e Claudia Leitte. Outros R$ 3 milhões sairão do caixa estadual para pagar os outros cem artistas que participam do Carnaval. Do lado da prefeitura, a Ambev foi a principal patrocinadora da festa. Depois de três anos tentando furar o bloqueio que deu exclusividade às cervejas Schin e Itaipava, a gigante das bebidas se rendeu: pagou R$ 30 milhões para ter a Skol como cerveja exclusiva nas festas. Enquanto isso, no circuito do Campo Grande, pilhas de latas da cerveja Schin abasteciam o camarote do governador Rui Costa (PT). Em seu primeiro Carnaval como prefeito aliado do governo federal, ACM Neto (DEM) marcou presença no camarote da Caixa Econômica, que tradicionalmente era reduto dos petistas nos governos Lula e Dilma Rousseff. Na hora em que Ivete desfilava na Barra, o prefeito e governador, adversários políticos que devem se enfrentar na disputa pelo governo da Bahia no próximo ano, foram ao Campo Grande e acompanharam o desfile do pagodeiro Léo Santana. A disputa dos dois pelos holofotes foi grande. ACM Neto dizia que a Prefeitura de Salvador é que organiza o Carnaval: "Quem quiser fazer este trabalho pode se candidatar ao cargo, em 2020".
Então, meus caros, essa é a verdadeira face das Políticas Públicas de Cultura no Brasil. Conselhos de Cultura, eventos "populares" e outras frases maravilhosas e sedutoras que vem dos mais diversos tipos de interessados nesse grande esquema - e que inclui também alguns acadêmicos - é, na verdade, uma grande falácia. Os artistas independentes, que tem de ralar pra fazer um nome local e trabalhar em vários ramos pra poder se manter, vão continuar nessa situação de penúria. Enquanto isso, empresários gananciosos, políticos que só pensam em si mesmos, acadêmicos estudiosos dessa "maravilhosa" diversidade cultural e o "grande público" estão todos mui felizes.

Enquanto nós, pobres artistas "comuns"...

Acabo por aqui. Estou com vontade de vomitar.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Repertório e organização dos concertos no Teatro São Luiz

Muitas vezes, se tem a (falsa) impressão de que a música interpretada em teatros e salas de concertos é apenas uma "reprodução" do contexto europeu. Mesmo não se tratando de obras criadas por compositores brasileiros ou de estética nacionalista, é importante entender que o simples fato desse repertório circular no Brasil já o torna parte da cultura do país. Sinfonias de Haydn, sonatas de Beethoven, quartetos de Dvorák e canções de Mahler já são parte da nossa experiência, portanto, são nossas também.

Querem um exemplo mais "palpável"? Tratemos sobre o reggae no Maranhão. Na década de 1970, as rádios caribenhas eram captadas em São Luís, fato que permitiu à população ouvir o repertório do reggae da época. Desde então, ele passou a ter uma forte repercussão na capital, que até hoje é um ponto de referência inclusive para cantores jamaicanos. Há vários deles que gravam seus álbuns em São Luís. Agora, como a imagem do reggae é fortemente associada a Bob Marley e à Jamaica, poucos ousariam falar que o reggae é maranhense. Mas eu diria: é sim, e muito. Coforme afirmamos no artigo "Políticas Culturais para a Música no Maranhão":
[...] cultura não tem tempo, fronteira ou dono: ela está viva, em constante mutação, e manifestações de diferentes épocas, povos e regiões precisam coexistir e dialogar entre si, sem estabelecer privilégios.
Assim, defendemos que tanto o reggae quanto as obras de Chopin e Liszt, entre outras, também são maranhenses, pois circulavam e circulam nesse Estado. O importante aqui é abandonarmos o entendimento de que a "cultura maranhense" é uma só, estática, como um objeto exposto em um museu, restrito apenas aos mesmos estereótipos de sempre: os folguedos afro-brasileiros ou a obra dos poetas da "Atenas Brasileira". A cultura maranhense é muito, muito mais do que isso. Sei que é uma tarefa hercúlea desconstruir esse tipo de pensamento impregnado na sociedade maranhense após 40 anos de políticas culturais voltadas para o turismo, mas precisamos ampliar essa concepção. E o trabalho está começando só agora...

Voltando à questão da organização dos concertos no Teatro São Luiz do final do século XIX, bem como o repertório que circulava na época, encontramos notas de jornal muito interessantes que abordam essa questão. Isso torna mais evidente que a música de concerto, ao vir para o Maranhão, não era uma mera "reprodução" das condições apresentadas na Europa: era necessário readaptar tanto o repertório quanto as seções dos concertos para a realidade brasileira.

O prof. Dr. João Berchmans Carvalho Sobrinho, em seus livros sobre a História da Música do Maranhão, ressalta o apreço do público local pelas operetas cômicas. Basta vermos alguns compositores que se destacaram com esse tipo de repertório no Teatro São Luiz, como Antonio Luiz Miró (em especial a opereta "A Marqueza"), Francisco Libânio Colás (esse foi um fértil compositor do gênero: "Os Estudantes da Bahia", "Uma véspera de Reis" e "A Torre em Concurso") e Leocádio Rayol (compositor das operetas "O Cara Linda" e "Dona Juliamita").

Sobre a duração dos atos, há um comentário presente em uma crítica sobre a apresentação de "A Marqueza" de Miró em 28 de julho de 1852:
Foi com muito prazer que vimos no dia 28 a ópera em música A Marqueza, composição do Sr. Antonio Luiz Miró. Se o Sr. Miró, em outras muitas composições, que tem sido geralmente aplaudidas, não estivesse já dado exuberantes provas do seu talento, bastava esta única ópera para fazer a sua reputação artística.
Pelo que diz respeito à execução, pode se dizer com franqueza, que agradou geralmente; e assim devia de ser, por quanto a Srª. D. Josefina [esposa de Miró] cantou com muito mimo, e muita graça; e os Srs. Assumpção e Ribeiro também cantaram bem, e estiveram sempre a caráter.
Temos, porém, para cômodo do público, de pedir ao Sr. Miró, que, para as outras vezes que ponha a sua ópera em cena, que a divida em dois atos, o que pode muito bem fazer na caução, ou em outra qualquer parte que o julgue mais conveniente. Na Europa, aonde de inverno, os espectadores fogem dos salões para a plateia, a fim de estarem mais agasalhados, toleram-se atos que duram 5 quartos de hora; mas no Maranhão, aonde o clima é diferente, o dilettanti mais entusiasta, não pode estar com prazer, na plateia, todo aquele tempo sentado n'uma cadeira.
 Com relação a óperas, que em geral possuem um enredo com final trágico, era costume constar nos concertos do Teatro São Luiz apenas suas árias e recitativos mais famosos, intercalados com operetas cômicas. A apresentação das óperas na íntegra gerava estranheza ao público. Aqui, é interessante transcrever uma crítica à primeira apresentação da companhia lírica trazida por Joaquim Franco da Itália ao Maranhão em 1892, na qual veio como diretor de orquestra o maestro Ettore Bosio. Essa companhia trouxe o seguinte repertório: Poliuto, Trovatore, Lucrezia Borgia, Forza del destino, Ernani, Lucia, Puritani, Rigoleto, Somnambula, Traviata, Norma, Maria de Roban, Ruy Blas, Bailo in maschera, Gemma de Vergy, Copuletti e Montacchi, Nabuco, Jone, Fausto, Cavalleria rusticana, Saffo, Duque de Vizeu [de Ettore Bosio] e Maometto II. Mesmo com esse vasto repertório, a nota de jornal em seguida revela o tipo de obras que o público gostaria de ver:
A Associação Lyrica Maranhense [criada por Joaquim Franco para subsidiar a contratação de companhias líricas] recomendou tanto a composição de Pietro Mascagni, escolhida para estreia da Companhia Lyrica Italiana, dirigida pelo maestro Joaquim Franco, que nós supunhamos o S. Luiz com pouca capacidade para conter a todos quantos desejassem assistir ao espetáculo. Além do atrativo que oferecia a novidade da preconizada ópera, não menos deverá ser o do reaparecimento de distintos e simpáticos artistas que aplaudimos já com entusiasmo frenético; e sem mesmo levar em conta a circunstância de haver o teatro adquirido ultimamente notáveis melhoramentos de limpeza e ornamentação, graças aos esforços e atividade do seu digno inspetor, justo era que ao menos ontem ele regorgitasse de espectadores, a despeito da baixa do câmbio, da caréstia dos gêneros e de outros benefícios salutares, que devemos ao paternal governo do muito alto e poderoso senhor de Floriano e quejandos positivistas de alta escola e tenebrosos desígnios.
Pois, não, senhores!
A concorrência era pouco mais de meia casa e composta de um auditório frio, silencioso, como que resignado ao sacrifício de umas tantas horas desperdiçadas inutilmente.
 A belíssima partitura da Cavalleria Rusticana executou-se do princípio ao fim sem despertar o público da apatia em que parecia abismado, sem conseguir vibrar uma corda sequer do entusiasmo que se manifesta por ovações e aplausos. Tudo frio, tudo silencioso!
Antes de começar o espetáculo, a orquestra tocou o hino nacional, pela razão, segundo nos disseram, de ser ontem o aniversário da morte de Tiradentes, caso, aliás, em que melhor cabia uma missa de requiem ou um funeral, e quase todos levantaram-se automaticamente, mais por consideração aos da mestrança que eretos se exibiam da tribuna do governo, do que por ligarem importância ao ato de manifestação póstuma ao herói da liberdade, cujo sacrifício tão mal há sido compreendido pelos que se dizem sectários de suas ideias, continuadores de sua obra.
Maria Petich, Conti Foroni, Desdemona, Patti e Sante Athos, interpretaram com justeza as suas partes, cantando-as a primor, o que entretanto, não contribuiu para que o público aplaudisse trecho algum, sendo de notar que não foi bisado um sequer dos que o programa indicava como merecedores de distinção.
Quando subiu o pano para o 4.º ato dos Huguenotes, cantado magistralmente por Conti Foroni e Patti, apareceu, de surpresa, na cena, o artista Ferrari, que cantou com graça, primeiro uma cançoneta cômica, e depois, instado muito pelo público que insistentemente pedia bis, sem recomendação do programa, bem entendido, porque nele nem ao menos se fazia menção da cançoneta como parte integrante do espetáculo, o artista cantou outra cançoneta cômica como a primeira e como esta frenética e delirantemente aplaudida e que seria bisada até amanhecer se a direção não fizesse ouvidos de mercador ao pedido da maioria dos espectadores.
Não sabemos se ao leitor produzirá o mesmo efeito desagradável que a nós a audição de um trecho cômico de composição ligeira quando temos os ouvidos saturados da harmonia da música lírica - parece, ainda que mal comparado, a uma mancha negra em branco vestido de virgem; pois bem, apesar dessa sensação pouco grata, não deixaremos de dar parabéns a quem teve a ideia de enxertar entre a ópera de Mascagni e a ópera de Merbeyer aquelas cançonetas do gênero buffo, talhadas a molde para os cafés-concertos ou para variantes de ópera-cômica, porque elas, as benditas cançonetas, cantadas com tanto espírito pelo artista Ferrari, tiveram o alto mérito, o inestimável valor de acordar o público, arrancando-lhe a gargalhada franca e sincera, que por alguns momentos o fez esquecer das cogitações tristes que o fazia sorumbático.
Bis às cançonetas! - gritamos nós também daqui como o público gritava ontem na plateia do S. Luiz, e oxalá que a Companhia atenda ao apelo; e preze aos manes de Tiradentes que os que se dizem sectários de suas ideias, continuadores de sua obra se lembrem de servir também ao povo alguma cançoneta que o distraia dos desgostos que o pungem, sentindo perdurar a situação impossível em que nos achamos, sofrendo a humilhação do despotismo, vendo a hecatombe inútil que se há mandado executar e assistindo ao desmoronamento da pátria, cujos foras são dia a dia rotos e atirados à face da nação, a quem nem ao menos se permite o direito de protesto!
E o povo aplaudirá, creiam, e o povo pedirá bis!
Já basta de dramático, senhores, da mestrança! Sirvam ao povo alguma coisa que o faça rir, porque de chorar está o povo farto.
Dessa forma, podemos observar que os artistas vindos do velho continente precisavam se adequar às condições dos espaços culturais e à recepção do público no Maranhão e, certamente, em todo o Brasil. Não era apenas uma mera "reprodução" ou "imposição" do repertório produzido na Europa. Além disso, outras notas indicam a venda de partituras com reduções para piano solo ou piano e canto dos trechos mais apreciados das óperas, gerando além de um mercado de partituras, a circulação desse repertório, tornando-o parte integrante das práticas culturais locais. Então, com base nas ideias que discutimos no início, é possível afirmar que as óperas italianas - assim como o reggae - também fazem parte da cultura maranhense.

Com relação aos comentários sobre as salvas de palmas que não estavam escritas no programa, cabe uma reflexão no tema de "formação de plateia" - um termo que acho muito ruim, mas que é amplamente utilizado. Pretendemos contemplá-lo em uma discussão futura. Muitas vezes, formação de plateia é pensada apenas como "adestramento do público": bater palma nas horas certas, saber o momento de sair ou ir ao banheiro, entre outros. É muito raro entender a formação de plateia como algo mais amplo, ligado a uma experiência concreta do público com a arte e não apenas confiná-lo sob um conjunto de etiquetas com um perfil de passividade. Especialmente hoje, diante das rápidas transformações culturais que a tecnologia tem gerado, precisamos repensar profundamente as estratégias de "formação de plateia". No caso específico desse concerto do final do século XIX, com base nesse relato anônimo, o público demonstrou aos artistas suas preferências. Precisamos pensar em espaços adequados para cada tipo de proposta musical, ao invés de achar que um dia teremos um público "educado" (traduz-se: "adestrado").

domingo, 19 de fevereiro de 2017

(Re)estreia do blog

Caros leitores,

Diante do impacto positivo que gerou a publicação do livro "Audio-Arte: Memórias de um blog musical" - e de forma bastante inesperada, confesso - figurando há mais de um mês entre os 2% dos livros mais acessados no portal academia.edu, decidi voltar a escrever mensagens nesse blog, agora em uma "segunda fase" (versão 2.0), mesmo sendo arriscado confiar nesse tipo de estatística. A nova etapa não possuirá publicações regulares, a exemplo do que vinha sendo feito na série "História Musical do Maranhão". Como há muito material interessante a ser publicado sobre esse tema, o blog continuaria sendo um espaço interessante para oferecer acesso livre e rápido, focando agora em discussões mais aprofundadas. Haverá, ainda, continuidade a algumas questões contempladas na primeira fase do blog, publicadas entre 2011 e 2016. Esperamos que essa iniciativa possa continuar sendo interessante para quem acreditou (e tem acreditado) nesse tipo de contribuição.

Bom proveito!