sexta-feira, 21 de julho de 2017

Um passeio musical e virtual por São Luís

É incrível como a tecnologia tem progredido nos últimos anos em termos de informação. Se há vinte anos atrás, para fazermos uma pesquisa, era necessário buscar arquivos de ficheiros, encomendar catálogos de bibliotecas que demoravam meses pra chegar e fazer fichamentos de livros, hoje podemos acessar bibliotecas com um clique, digitalizar o material e levá-lo pra qualquer lugar em um cartão de memória, comprar livros digitais e buscar informações neles apenas com a procura de palavras-chave. Não preciso dizer que estou tirando o máximo de proveito que posso desses recursos.

Como mais um "desmembramento" dessa pesquisa, resolvi fazer uma pesquisa dos locais em São Luís que tiveram significativa importância nas práticas musicais em épocas diferentes, consultando documentos de época e posicionando a visualização dos lugares através do Google Earth. Preparei a lista abaixo segundo os critérios: locais confirmados ou hipotéticos e que pertenceram a instituições ou músicos, em ordem cronológica ascendente. Espero que achem interessante!



1) Locais confirmados

Teatro Arthur Azevedo - clique no nome para visitá-lo
Fundado em 1817 sob o nome de "Teatro União", foi renomeado em 1852 para "Teatro São Luiz" após a grande reforma que teve para receber as companhias líricas nacionais e estrangeiras que circulavam pelo Brasil Imperial. Em 1922, passou a ter o nome que leva até hoje.
Endereço atual: rua do Sol, s/n

Casa dos Educandos Artífices
Instituição dedicada à educação de crianças órfãs, a exemplo da Casa Pia de Lisboa. Funcionou de 1841 a 1889, em um belo rédio do século XVIII. Possuía uma banda, onde os internos tinham aulas com o professor de sopros ou de cordas. Formou vários músicos importantes que atuaram entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX. Seu prédio recebe hoje a Superintendência Federal de Agricultura do Maranhão.
Endereço: Praça da República

Sobrado onde nasceu Catullo da Paixão Cearense (1866-1948)
Nome mais conhecido dos músicos maranhenses do século XIX, Catullo era letrista e tomava de empréstimo melodias principalmente do choro carioca para escrevê-las. Graças à veiculação dessas canções nos primórdios do rádio no Rio de Janeiro, Catullo ficou bastante conhecido na época, porém, continuou pobre por não ter recebido os benefícios da veiculação das mesmas. Há uma placa nesse sobrado (que, inclusive, está bem descaracterizado), afixada conforme indicação do prof. Joaquim Santos.
Endereço atual: rua Oswaldo Cruz, 66

Casarão onde viveu o artista plástico e professor de violino João Manoel da Cunha Júnior (ca.1834-1899)
Pai do violinista e compositor Ignácio Cunha (1871-1955), esse é o possível casarão onde nasceu o músico. João fez parte dos artistas plásticos mais importantes de São Luís da segunda metade do século XIX, ao lado de Domingos Tribuzy (ca.1813-1880), José Maria Billio Júnior (18??-1879) e Luís Ory, tendo boa reputação como retratista. Posteriormente, João se mudou para uma casa em frente à Igreja de São João, onde manteve um ateliê que era frequentado por Aluísio Azevedo e o inspirou na criação de "O Mulato" segundo Nonnato Masson, em reportagem de 1955.
Endereço antigo: rua do Sol, 45

Casa onde residiu o cônego Manoel Pedro Soares, chantre da Sé durante o século XIX
O Cabido da Sé, entidade responsável pela organização da liturgia católica, foi bastante ativo durante o século XIX. Teve como mestres-de-capela o organista, cantor lírico e compositor português Vicente Ferrer de Lyra (ca.1796-1857), o organista francês Theodoro Guignard (18??-1887) e o pianista piauiense Luiz do Rego Lima (1847-1903). Entretanto, o cargo mais importante - em termos financeiros, principalmente - era o de chantre, tendo sido ocupado pelo cônego Manoel Pedro Soares por várias décadas.
Endereço antigo: rua da Saavedra, 23

Palacete da família Soutto Mayor, onde vivia Sinhasinha Santos (ca.1880-1970)
Na primeira metade do século XX, São Luís teve várias pianistas que além de dar aulas de piano em suas casas, organizavam recitais e eventos culturais em suas residências. Esse foi o caso de Jovina d'Almeida Santos, popularmente conhecida como Sinhasinha Santos. Coincidentemente, sua residência veio a receber futuramente o Teatro-Cine Éden, cinema mais longevo da capital maranhense que funcionou entre 1919 e 1984.
Endereço atual: rua Oswaldo Cruz, s/n (altura do n.º 148)

Palacete Emílio Lisboa, onde residiu Lilah Lisboa de Araújo Costa (1898-1979)
O casarão que teve intensa atividade artística durante a primeira metade do século XX é o mesmo que recebe hoje a Escola de Música do Estado do Maranhão (EMEM). Emílio Lisboa, comerciante conhecido na capital maranhense, era um amante da música. Todas as suas sete filhas estuadaram piano, incluindo Hilda Lisboa de Albuquerque Melo (1895-1986), que se mudou para o Rio de Janeiro na década de 1940 e teve uma filha pianista, Undine Lisboa de Albuquerque Melo (1916-2012). Lilah batalhou por muitos anos para manter um movimento musical em São Luís, principalmente através da Sociedade de Cultura Artística do Maranhão (SCAM), criada em 1948 após o fim da Sociedade Musical Maranhense (SMM), liderada por Adelman Brasil Corrêa (1884-1947) entre 1918 e 1947. Felizmente, esse casarão continua sendo um prolífico local para a Música.
Endereço atual: rua da Estrela, 363

Palacete da família de Creusa Tavares da Silva Loretto (1904-1986)
Assim como nos dois casos anteriores, a pianista Creusa Tavares dava aulas em sua residência e promovia recitais. Discípula de Nila Gonçalves de Araújo, pianista que estudou na primeira Escola de Música do Estado com João Nunes (1877-1951), Creusa foi estudar no Rio de Janeiro no Instituto Nacional de Música com o pianista maranhense, retornando posteriormente para São Luís. Contribuiu com o movimento musical da cidade até se mudar em definitivo para o Rio de Janeiro, por volta de 1950.
Endereço antigo: rua Colares Moreira, 476, canto com a rua dos Craveiros
Endereço atual: rua da Paz, 476

Casarão onde funcionou o Casino Maranhense durante a primeira metade do século XX
O Casino Maranhense foi uma das associações que mais apoiaram as práticas musicais em São Luís. Tomaram parte em sua fundação, em 1888, o pianista maranhense Antonio de Almeida Facióla (1865-1936) e o médico e flautista Claudio Serra de Moraes Rêgo (1863-1909). Além de promover concertos, bailes de máscara, soirées e festejos carnavalescos, cedia seu espaço para as reuniões da Sociedade Musical Maranhense (SMM), além de ter sediado uma escola de música criada em 1920 que, depois de ser ampliada em 1922, veio a se tornar a Escola de Bellas Artes.
Endereço atual: rua Oswaldo Cruz, 1.618

Sobrado onde funcionava o Centro Caixeiral
Assim como o Casino Maranhense, o Centro Caixeiral também promovia diversos eventos culturais. Vários músicos do final do século XIX e início do século XX se apresentaram nos seus salões.
Endereço atual: rua do Egypto, 195

Último prédio onde funcionou a primeira Escola de Música do Estado do Maranhão
O tenor, violinista e compositor Antonio Rayol, retornou a sua terra natal no ano de 1900 para assumir sua antiga "Aula Nocturna de Musica", agora oficializada pelo Estado, além de assumir a cadeira de professor de Música do Liceu Maranhense (vaga devido ao falecimento do violinista Luiz de Medeiros (1861-1900), discípulo de Leocádio Rayol e primeiro professor de Música do Liceu, nomeado em 1890) e da Escola Normal. Seu relatório de 1900 serviu como base para o projeto de criação de uma escola de música pública, redigido pelo então deputado estadual Benedito Leite. Assim, em 1901, foi criada a primeira Escola de Música do Estado do Maranhão. Naturalmente, a situação era precária, mas o empenho e boa vontade de professores e estudantes faziam - e sempre fazem - a diferença. Infelizmente, Antonio Rayol faleceu em 1904, tendo assumido interinamente a direção da Escola a pianista Almerinda Ribeiro Nogueira (1880-1944). Em 1906, o pianista João Nunes (1877-1951), recém-chegado de seus estudos em Paris, assumiu então a direção da Escola. Segundo Adelman Correia, em nota publicada no ano de 1923, o pianista deixou o cargo em 1911 devido a divergências com o governo que, por sua vez, fechou a instituição. Esse é o último prédio onde a mesma funcionou, que recebe hoje o Conselho Estadual de Educação.
Endereço atual: rua do Sol, 412

Prédio onde funcionou a Academia de Música do Estado do Maranhão
Quando alguém trata sobre a SCAM - sigla para "Sociedade de Cultura Artística do Maranhão" - vem logo à cabeça o nome de Lilah Lisboa, pianista que criou essa associação em 1948. Porém, trata-se de uma grande injustiça: as conquistas da SCAM sobre a direção do cantor lírico José Ribamar Bello Martins (1927-2001), entre 1956 e 1967, foram extremamente significativas. Houve a criação do Coral do Maranhão, que existiu entre 1962 e 1967 e tinha como objetivo fazer um grupo vocal com a mesma qualidade dos principais coros nacionais, e da Academia de Música do Estado do Maranhão (AMEM), uma tentativa ousada de criar um grande estabelecimento de ensino musical em São Luís. Foram convidados, inclusive, músicos com sólida carreira no exterior para lecionar na AMEM, a exemplo do regente Bruno Wysuj - que também era regente do Coral do Maranhão.
Endereço atual: av. Beira Mar, 232

Última residência do Padre João Miguel Mohana (1925-1995)
O grande "salvador" da música maranhense, o pe. Mohana protagonizou uma pesquisa iniciada na década de 1950 que culminou em seu livro "A Grande Música do Maranhão", publicado pela primeira vez em 1974. Ele traz um relato de informações que o padre, colecionador de partituras, obteve em seu percurso. Graças a ele, temos hoje mais de duas mil partituras disponíveis no Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM), na qual a maior parte foi doada por ele em 1987. Nossa missão, a partir de agora, é editar as partituras, estudá-las e interpretá-las, trazendo novamente à circulação esse repertório legitimamente maranhense.
Endereço: rua Afonso Pena, 113


2) Locais não confirmados

Sobrado onde possivelmente viveu Antonio Luiz Miró (1805-1853) quando chegou ao Maranhão
Pianista e compositor nascido em Granada, na Espanha, Miró se mudou na infância para Portugal. Foi um professor de piano de sucesso, além de ter sido diretor do Teatro de São Carlos, principal casa de óperas de Portugal. Sua reputação chegou à Província do Maranhão, que o contratou para inaugurar e dirigir a primeira temporada lírica do recém-reformado Teatro São Luiz. Contraiu uma doença em 1852, na qual partiu para Lisboa no início do ano seguinte para buscar tratamento. Porém, antes do navio a vapor chegar em Pernambuco, o capitão ficou receoso de que a doença de Miró pudesse contaminar a população, desembarcando-o em um lugar deserto antes de chegar no Recife.
Endereço antigo: rua Grande, 59

Possível sobrado onde morou Sérgio Augusto Marinho (ca.1826-1864) no final de sua vida
Flautista, foi o primeiro professor de Música e de sopros da Casa dos Educandos Artífices. Também compôs acompanhamentos musicais para peças teatrais encenadas no então Teatro São Luiz. Deixou-nos a Novena de Nossa Senhora da Conceição, disponível hoje no APEM.
Endereço antigo: rua da Palma, 21

Sobrado onde possivelmente morou Leocádio Rayol (1849-1909) na década de 1860
O violinista e compositor Leocádio Rayol é um dos nomes mais importantes da música maranhense. Tocou e compôs obras para festejos religiosos, concertos e salões. Sua primeira esposa, a pianista Emilia Moura Rayol (irmã de João Dunshee de Abranches Moura), o acompanhava em vários recitais. Porém, faleceu em 1882, No ano seguinte, Leocádio foi exonerado de seus cargos nos correios e na Casa dos Educandos Artífices, onde era professor de cordas. Mudou-se então para o Rio de Janeiro, participando da vida cultural da cidade. Chegou a ser professor substituto de violino do Imperial Conservatório em 1888. Os dois possíveis sobrados mostrados estão hoje muito alterados.
Endereço antigo: rua da Palma, 50

Possível casa onde vivia o violinista José de Carvalho Estrella (ca.1818-ca.1888)
Presença frequente nas orquestras contratadas temporariamente para acompanhar as companhias líricas que se apresentavam no Teatro São Luiz, José também dava aulas de violino. Em uma reportagem de 1904, ele é mencionado como um dos professores de Leocádio Rayol.

Casa onde possivelmente residiu o flautista Joaquim Zeferino Ferreira Parga (ca.1834-1907)
Formado na Casa dos Educandos Artífices, Joaquim era alfaiate (uma da habilitações profissionais possíveis desse estabelecimento) e flautista. Foi muito atuante durante a segunda metade do século XIX, seja em eventos religiosos ou em concertos no Teatro São Luiz. Regeu o grupo que interpretou a Novena de Nossa Senhora dos Remédios de Antonio Luiz Miró em 1851, possivelmente pela primeira vez, conforme relato de João Francisco Lisboa em livro recentemente publicado. Teve sete filhos, e todos estudaram música, sendo que alguns mantiveram a "Orquestra Irmãos Parga", famosa na época, entre 1904 e 1934. Joaquim Possidonio (1871-1909) era violinista e principal discípulo de Leocádio Rayol, segundo o próprio. Após seu falecimento, o violinista Tancredo Parga (ca.1880-1940) assumiu a direção da "Orquestra". Havia ainda os violinistas Raimundo, Hermenegildo e as pianistas e professoras Anna Parga Baptista e Alzira Parga.
Endereço antigo: rua das Flores, 3
Endereço atual: rua das Flores, 7


Possível casa onde funcionou inicialmente o Instituto Musical São José de Riba-Mar
Maria José Carvalho Moreira, conhecida popularmente como "Sinhazinha Carvalho", também foi uma pianista que dava aulas e promovia apresentações em sua residência. A diferença, no caso dela, foi a criação de um instituto, dando caráter mais "oficial" a sua atividade pedagógica. O Instituto Musical São José de Riba-Mar foi criado em 1918, havendo registros de seu funcionamento até por volta de 1955. Sinhazinha Carvalho fazia parcerias com músicos a exemplo de Pedro Gromwell dos Reis (1887-1964) e Marcellino Maya (ca.1880-1935), que podiam ministrar a aula inaugural de cada semestre e tomar parte em eventos de datas comemorativas, como o Dia de Ação de Graças.
Endereço antigo: rua dos Affogados, 130

terça-feira, 11 de julho de 2017

Música e turismo histórico

Durante o desenvolvimento da parte de Musicologia Histórica da pesquisa na qual tenho me dedicado atualmente, surgiu o interesse de buscar informações sobre músicos maranhenses em cemitérios. Em 2016, quando estava residindo na cidade do Rio de Janeiro, visitei o Cemitério São João Baptista. Encontrei o jazigo de três importantes músicos maranhenses: Leocádio Rayol (1849-1908), Elpídio Pereira (1872-1961) e João Nunes (1877-1951). A partir daí, passei a me interessar por essa atividade - chamada de "necroturismo" e que já é bastante recorrente em outros países - complementando a pesquisa. Apresentarei adiante os resultados parciais da pesquisa até o presente momento.


Cemitério São João Baptista
Localizado no bairro Botafogo, na capital fluminense, é o maior mausoléu a céu aberto da América Latina. Há vários chefes de Estado - entre eles ex-presidentes da República - e artistas enterrados lá. Acesse a página do cemitério aqui. Os músicos maranhenses enterrados nesse cemitério são:

Leocádio Rayol (1849-1909): Q26, sepultura 1.123A

Elpídio Pereira (1872-1961): Quadra 1, sepultura 14.368A

João Nunes (1877-1951): Aléa 4, sepultura 414


Cemitério de São Pantaleão
Popularmente conhecido como Cemitério do Gavião, fica no bairro Madre Deus em São Luís. Fundado em 1855, é o cemitério mais antigo da cidade que ainda está em funcionamento. Como já era esperado, há diversos músicos enterrados no local. Alguns deles são:

Antonio Rayol (1863-1904): o conhecido tenor, violinista, regente, compositor, professor e primeiro diretor da primeira Escola de Música do Estado do Maranhão, que existiu entre 1901 e 1911, foi um dos músicos brasileiros mais importantes de sua época. Está enterrado na sepultura n.º 84 da 12.ª Seção, junto com seu filho Hilton Rayol (1892-1944), que atuou como tenor amador em algumas oportunidades. Curiosamente, a sepultura menciona anos incorretos de nascimento e falecimento de Antonio.


Ignácio Cunha (1871-1955): violinista, compositor e professor de piano, está entre os nomes mais importantes da música maranhense da primeira metade do século XX. Seu jazigo se encontra na 11.ª Seção.

Carlos Marques (1876-1936): pianista, compositor e regente, era sobrinho do médico e historiador Cezar Augusto Marques. Na mesma sepultura, localizada na 1.ª Seção, está sua segunda esposa, Bembém Marques (1901-1976), que também era pianista.


Raimundo Canuto dos Anjos (1884-1940): contrabaixista de jazz conhecido em São Luís, foi um dos fundadores do Jazz Alcino Bílio. Era também barbeiro e proprietário do salão 28 de Julho. Sua sepultura está afixada no muro que divide as duas áreas maiores do cemitério.

Sinhasinha Santos (ca.1885-1970): pertencente à família Soutto Mayor, que residiu por muitos anos no sobrado que se tornou o Teatro-Cine Éden e atualmente recebe a loja Marisa, foi uma conhecida pianista e professora de piano com intensa atividade durante a primeira metade do século XX em São Luís. Seu jazigo, sem numeração, encontra-se próximo à Capela, ao lado da bela sepultura do Dr. Almir Parga Nina.

Chlorys Padilha (1899-1936): professora de música, teve entre seus discípulos o pianista José de Ribamar Passos (1906-1965), o "Chaminé", que foi presidente do Syndicato dos Musicos, pianista e acordenista no Jazz Alcino Bílio, entre outros grupos. Sua sepultura é a n.º 7 da 1.ª Seção.

Milton Ericeira (1918-1992): médico natural de Arari, dedicou-se à música como amador por breve tempo. O Pe. João Mohana encontrou algumas de suas composições, disponíveis hoje no Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM). Está sepultado na 7.ª Seção.

Antônio Vieira (1920-2009): cantor e compositor de canções populares, sendo atualmente um nome reconhecido na música popular maranhense. Seu jazigo se encontra na 7.ª Seção.


Haydée Mattos Collares Moreira (ca.1920-1979): filha do comerciante Antero Mattos e sobrinha do farmacêutico João Victal de Mattos, Haydée atuou como pianista durante sua juventude, quando então fazia aulas com Esther Santos Marques. Sua sepultura se encontra na 1.ª Seção do cemitério.

Lopes Bogéa (1926-2004): natural do povoado de Jericó, em Guimarães, também foi compositor e cantor de canções populares. Sua sepultura está na "parte nova" do cemitério".

Pe. João Mohana (1925-1995): responsável por colecionar partituras, graças a seus esforços uma parte importante da música maranhense foi preservada. Sua coleção está hoje disponível no Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM). Sua sepultura está localizada na 3.ª Seção, n.º 71-B.

Olga Mohana (1933-2013): irmã do Pe. João Mohana, foi cantora lírica, com voz de mezzo-soprano. Foi diretora da atual Escola de Música do Estado do Maranhão (EMEM) entre 1979 e 1982, sendo sua gestão conhecida como os "Anos de Ouro" da instituição. Era também professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Seu jazigo se encontra logo no início do corredor da "parte nova" do cemitério.


Capela Bom Jesus dos Navegantes
Anexa à Igreja de Santo Antônio, em São Luís, há várias pessoas enterradas nessa capela, entre elas Ana Joaquina Jansen Pereira (1793-1869), conhecida proprietária de terras e membro da nobreza maranhense do século XIX. Alguns jazigos encontrados são:

Carlos Antonio Colás (ca.1838-1879): "pistonista" (trompetista) que participava das orquestras contratadas para acompanhar as companhias líricas no então Teatro São Luiz, era filho do clarinetista português Francisco Antonio Colás (ca.1808-1871) e irmão de Francisco Libânio Colás (ca.1831-1885), o primeiro músico maranhense a ter uma carreira em nível nacional. Carlos faleceu por beribéri, uma enfermidade recorrente durante o Maranhão Imperial.

Ladislau Muniz Fernandes (1868-1923): nascido em Vianna na época em que a cidade teve várias gerações de músicos prolíficos, graças principalmente aos esforços de Miguel Arcanjo Dias (1871-1925), Ladislau foi compositor, oficial militar e comerciante, tendo residido em São Luís Gonzaga nas primeiras décadas do século XX, onde faleceu. O Pe. João Mohana encontrou treze de suas obras, cujas partituras estão disponíveis hoje no APEM.

Emilia Moura Rayol (ca.1848-1882): primeira esposa de Leocádio Rayol, também era pianista e irmã do jornalista e político João Dunshee de Abranches Moura (1868-1941), compositor algumas obras, entre elas uma "Ave Maria" que ficou conhecida em São Luís no início do século XX. Emilia estudou com João Pedro Ziegler (1822-1882) no colégio "Nossa Senhora da Gloria", que tinha suas irmãs como diretoras.

Affonso de Britto Pereira (1878-1915): irmão de Elpídio Pereira, seu jazigo está na referida capela.


Catedral Metropolitana de São Luís
 Na Sé do Maranhão, há algumas pessoas sepultadas. Nas lápides próximas ao altar, foram enterrados os bispos e arcebispos. Em uma sala à esquerda da entrada, há sacerdotes e membros do cabido. Destaca-se a seguinte sepultura:

Vicente Ferrer de Lira (ca.1796-1857): natural de Portugal, onde atuou como tenor da Sé de Lisboa, veio para São Luís por volta de 1826 para atuar como mestre-de-capela e organista da Catedral do Maranhão. Sua esposa, Anna Adelaide de Burgos e Lira, também jaz nesse mesmo local.

domingo, 4 de junho de 2017

Crise na OSB ou crise na música "erudita"?

Prezados,

Diante da atual - e conhecida - crise em que está o Estado do Rio de Janeiro, devido única e exclusivamente a uma administração pública irresponsável e corrupta (na qual acredito que pena de morte seria pouco...), a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) também entrou em uma profunda estagnação. Há sete meses sem receber salários - um absurdo para qualquer profissão que existe, não apenas para "médicos, engenheiros e advogados" - os músicos tem se desdobrado para manter sua renda, tocando em eventos, projetos sociais e outras oportunidades que surgem.

Acredito que nesses momentos de crise, é fundamental refletirmos sobre algumas questões que nunca são ditas - especialmente nos tempos de "vacas gordas", onde tudo parece estar bem.

E o que acontecia com a OSB, em tempos de "vacas gordas"?

Não sei se vocês se lembram da administração de Roberto Minczuk, na busca pela "qualidade" ou a "excelência" absoluta pela "perfeição" na performance da Orquestra, que passa por cima de todos os valores humanos e sociais e tratam os músicos como se fossem "máquinas". O ponto de tensão máxima desse contexto foi a carta aberta de Marlos Nobre em 2011 a este regente, disponível adiante:
CARTA ABERTA PARA ROBERTO MINCZUK
Roberto, estou angustiado ao escrever esta carta, ao ver um regente como você envolvido nesta situação constrangedora e triste.
Você, Roberto, não teve ninguém perto de você para lhe abrir os olhos ante a imensa tolice que foi toda esta situação criada na Orquestra Sinfônica Brasileira?
Eu lhe escrevo como um Maestro e compositor que conheceu um Roberto ainda nos seus 10 a 12 anos de idade, participando do Concurso de Jovens Instrumentistas que organizei em 1974 nos “Concertos para a Juventude” na Rede Globo e Radio MEC. Nele, você se destacou com jovem talento, promissor o bastante para que eu lhe desse de presente uma trompa novinha em folha (a sua, na época era impraticável). Lembro anos depois, no seu concerto de estréia como regente da OSB no Rio, ter sido procurado pelo seu velho e honrado pai, com lágrimas nos olhos, me dizendo que aquela trompa estava guardada em um invólucro de vidro, emoldurando a sala de estar da sua casa paterna. Foi extremamente comovente então, ver seu pai visivelmente feliz vendo sua estréia como regente titular da grande e prestigiosa Orquestra Sinfônica Brasileira. Entre outras obras você então dirigiu a Sinfonia “Heróica” de Beethoven. E a nossa OSB respondeu à altura aos seus gestos, dando na ocasião uma intepretação memorável da obra. Estes mesmos músicos que agora sofrem com a implacável perseguição e ira absolutamente incompreensíveis de você, como diretor da OSB.

Pois bem, Roberto, assim como seu pai, um velho e honrado músico, eu aprendi que não é possível fazer música senão com o espírito leve, aberto, ligado apenas no dever maior de intérprete que é o de revelar a grande mensagem de amor, compreensão universal e respeito mútuo que emanam de toda grande obra musical. Não é possível aos músicos renderem o máximo de suas qualidades,  frente à arrogância, à falta de respeito, à imposição, à desumanidade, à inépcia humana de quem está a lhes impor e não a lhes dar condições de criar a maravilhosa mensagem da Música.

Roberto, aquele menino a quem dei uma trompa hoje é motivo da maior decepção que jamais tive em minha vida. Uma decepção profunda e irreversível. Você, e somente você, é o responsável por uma situação inédita na música sinfônica do Brasil, ao submeter uma orquestra inteira a um vexame público demitindo com requintes de crueldade e desrespeito pelo passado deles, mais da metade de seus componentes através de pretextos os mais inaceitáveis possíveis. Nem o pretexto de maior qualidade musical seriam justificação para um tal elevado grau de agressividade humana, artística e pessoal de que vitimas nossos músicos da OSB. Você não respeita idade, serviços prestados, idealismo nem humanidade. Todos estes valores essenciais nas relações humanas e artísticas vão para o ar em suas mãos, neste momento triste da história da música no Brasil.

A destruição dos ideais que sempre foram a grande força da Orquestra Sinfônica Brasileira, Roberto, você não conseguirá. Aliás vejo com tristeza que você está conseguindo se destruir de uma maneira tão perfeita, tão definitiva, tão veemente como jamais o maior inimigo seu seria capaz, nem teria tal grau de imaginação destrutiva.

Sua auto-destruição me choca pois me parece que você, Roberto, entrou em tal processo negativo sem volta nem retorno, pois sequer se dá conta que, não só no Brasil, mas em qualquer país do mundo onde você entrar no palco, para dirigir uma orquestra, terá como resposta o desprezo e a desaprovação do público e do mundo musical.
Como compositor não desejo que nenhuma obra minha seja jamais executada por este arremedo de Orquestra Sinfônica (que me recuso a chamar de OSB pois esta foi destruída irresponsavelmente por você), dirigida por você.

Não autorizo nenhuma obra minha tocada senão pela verdadeira ORQUESTRA SINFÔNICA BRASILEIRA que aprendemos a amar, a reverenciar e a proteger, de desmandos de eventuais passageiros da desesperança, da agressão moral e do desrespeito.
MARLOS NOBRE

Pois bem. Agora, os "sobreviventes" da OSB estão sem receber salários há sete meses. Depois de tanto trabalho árduo, sob uma situação de tensão total mesmo no periódo de "vacas gordas", o que esse maestro teria a dizer agora?

Aqui, entra a minha reflexão.

O mercado da música "erudita" não difere em nada do mercado da música "popular". Ele também é cruel, atropela questões humanas e seleciona os indivíduos mais "aptos" para entrar na mídia comercial. No caso da música "erudita", a maior diferença é que eles vendem "excelência" e "qualidade". Entretanto, pergunte a eles o que significa "qualidade"... eles vão te responder com um amontoado de preconceitos, jargões, estereótipos e outras justificativas dogmáticas pra defender sua posição no "mercado da excelência"...

PS: quem tiver interesse, veja os comentários dessa reportagem para entender melhor sobre o que estou
tratando.
A música "erudita" precisa existir por si só. Justificar sua existência apenas porque ela seria "melhor" do que outros tipos de prática musical é, em sua essência, decretar sua total irrelevância. E, naturalmente, o apoio financeiro vai se esvaindo diante disso.
 O que estou dizendo aqui é que precisamos refletir urgentemente sobre a posição social em que se encontra a música erudita hoje. Em um mundo que traz hoje questões sobre democracia, inclusão social, ampliação do acesso ao conhecimento e, principalmente, DIVERSIDADE CULTURAL, como é possível manter uma prática musical sob o argumento de que ela é simplesmente "melhor" ou de "qualidade"? Melhor pra quem? Para aqueles que já são beneficiados pelo sistema?

Eu sou músico "erudito". Porém, não faço parte do "mainstream" de concertos e tournées da música "erudita". E o argumento sempre defendido por aqueles "beneficiados", contra pessoas como eu, é a "qualidade" do seu trabalho. Então, questiono: esse conceito de "qualidade" não é utilizado apenas para manter as estruturas de poder e a seleção de quem "pode" ou "não pode" ter suas produções artísticas veiculadas?

Obviamente, para quem está no "sistema" isso soa como uma afronta. Assim como o Wesley Safadão não questiona o sistema midiático de convenções do Sertanejo Universitário que o mantém ganhando o seu dinheiro.

E a música erudita, meus amigos, não é diferente. Ela apenas vende "qualidade" - e um conceito de "qualidade" que não resiste a um simples questionamento. Basta fazer algumas perguntas que os "beneficiados" vem argumentar sobre o "desconhecimento" ou "incapacidade" de quem levanta esses questionamentos.

E eu, músico erudito, também faço parte desse hall de "ignorantes". Pois questiono o tempo todo essas valorações de "qualidade" que a música erudita usa pra se vender.

Novas perspectivas?

Sempre quando levanto questionamentos, gosto também de propor alguns direcionamentos que possam contribuir para a situação. Mesmo que não contribuam de fato, espero que a intenção seja interpretada como positiva.

O que tem feito os músicos da OSB nesse momento de "crise"?

Eles tem tocado em casamentos, eventos públicos e outros tipos de atuação em que os músicos tem historicamente desempenhado papel relevante. Trata-se de um fato importante aqui: esse é o campo de atuação da grande maioria dos músicos formados por nossas Universidades e que não tem um espaço em uma orquestra como a OSB. Sendo assim, trata-se de um momento para reconhecer que todas as atuações no campo da Música tem a mesma importância social, independentemente da "qualidade". Esse conceito, por sua vez, tende a se tornar irrelevante, principalmente em termos pedagógicos: cada músico tem sua história, seus desafios e sua superação. É cruel avaliar suas experiências através de um conceito estático e redutivista de "excelência", que tende a ignorar toda a sua trajetória musical e os desafios enfrentados nesse percurso.

Ao mesmo tempo, "descer do pedestal" permite que os músicos se aproximem da sociedade, e não tenham sua prática restrita apenas àquelas apresentações naquele ambiente restrito e elitista em que a música "erudita" consolidou: a sala de concerto. Há iniciativas muito interessantes nesse sentido, como o bar "Desconcertando", onde você pode ver quartetos de cordas tocando obras clássicas e românticas enquanto o público bate papo e toma uma cerveja. A música erudita precisa, mais do que nunca, desse tipo de espaço. Mas para isso, os músicos "eruditos" precisam colaborar e entender a importância desse tipo de iniciativa.

Por fim, toda crise é, de certa forma, uma oportunidade. E no caso da OSB, uma oportunidade para refletir sobre toda a sua trajetória. Isso sim é "qualidade".

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Festejos juninos: uma comparação

Caros,

Recentemente, meu colega e amigo prof. Leonardo me enviou a programação cultural dos Festejos Juninos do São João de Porto, em Portugal, uma cidade cuja zona metropolitana possui cerca de 1,76 milhão de habitantes. Abaixo, fiz uma síntese de alguns dos tipos de atividade cultural que acontecerão diariamente, conforme anúncio na página do evento - http://www.portolazer.pt:
  • Coro infanto-juvenil;
  • Festival de circo "Trengo";
  • Atividades para a terceira idade;
  • Arquitetura e turismo patrimonial;
  • Shows e concertos ao pôr-do-Sol, promovidos pela Casa das Artes do Porto;
  • Mercado de artesanato;
  • Mercado do Porto, com venda de CDs, discos de vinil, quadros e roupas antigas, entre outros;
  • Festival de cervejas artesanais;
  • Festival de Jazz & Blues;
  • Festival de música eletrônica dançante;
  • Feira de livros;
  • Encontro de Design.

Já nos Festejos Juninos do São João do Maranhão, que acontecem na capital São Luís (com cerca de 1 milhão de habitantes) e são noticiados como possuidores de "atrações variadas" pela Secretaria de Cultura e Turismo - SECTUR - os tipos de atividade cultural serão os seguintes:
  • Grupos de bumba-meu-boi;
  • Grupos de tambor-de-crioula;
  • Quadrilhas;
  • Blocos tradicionais;
  • Barracas com culinária local;
  • Shows de artistas famosos.

Dá pra entender agora o porquê da insatisfação de tantos profissionais que atuam no setor cultural do Maranhão...

sábado, 27 de maio de 2017

Uma análise das políticas culturais no Maranhão em Junho de 2017

Um dia após terminar a participação no VIII Seminário Internacional de Políticas Culturais, realizado na Casa Rui Barbosa no Rio de Janeiro, recebi a informação do bibliotecário Jailton Lira de que a Secretaria de Cultura e Turismo (SECTUR) do governo do Maranhão havia publicado editais para realização de eventos culturais e artísticos.

Essa notícia foi uma grande surpresa, tendo em vista que desde a criação do Departamento de Cultura do Estado em 1953 - momento que marca o início da intervenção do governo em assuntos ligados a esse setor no Maranhão - nunca havia sido publicado um único edital que permitisse a participação de quaisquer "fazedores de cultura" (termo utilizado no supracitado Seminário) independentemente de sua condição social ou proposta estética, conforme os registros disponíveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional e no portal da SECTUR.

Nos últimos anos, a única entidade que realmente tem empreendido iniciativas democráticas para o setor de Cultura no Maranhão, em nível estadual, tem sido a Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão - a FAPEMA. Houve a publicação de editais para bandas de música (formação que em Minas Gerais é contemplada através de um Programa - "Bandas de Minas"), formação de orquestra através de estudantes, apoio a projetos culturais e artísticos em escolas e prêmios para mestres da cultura popular. Esse último, inclusive, deveria ser uma obrigação da SECTUR, já que a única política cultural do Estado desde a década de 1970 - instituída por Domingos Vieira Filho - se baseia na espetacularização e exploração turística dos folguedos maranhenses e, naturalmente, de seus mestres, cantadores e "brincantes".

Entretanto, o setor de Música está em situação "menos pior" do que dos colegas de Teatro, Artes Visuais, Dança, Literatura (bibliotecas e acervos). A área de Dança, por exemplo, sequer tem um curso superior no Estado.

Vamos, então, analisar mais detalhadamente esses editais recém-publicados da SECTUR, para conferir se eles de fato cumprem o papel de "democratização" ao qual essa secretaria se propõe.


EDITAIS

Foram publicados quatro editais, cujas informações básicas são apresentadas em seguida:

1) Edital 03/2017, "Praça do Reggae": destinado a apoiar apresentações, oficinas e feiras nesse espaço cultural (fica na rua da Estrela) e ligadas a esse gênero musical em todas as quintas-feiras até 14 de dezembro de 2017. Inscrições até o dia 07 de julho. Valores de apoio aos participantes: R$ 500,00 para DJs, R$ 3.000,00 para bandas/shows/radiolas e R$ 2.000,00 para "outras expressões culturais".

2) Edital 04/2017, "Concha Acústica": destinado à realização de apresentações musicais, teatrais e circenses nesse espaço (fica na Lagoa da Jansen) desde que sejam voltadas ao público infantil, durante todos os sábados até o dia 16 de dezembro de 2017. Inscrições até 21 de junho. Valores de apoio aos participantes: R$ 2.000,00 para teatros/circo e R$ 3.000,00 para bandas/shows.

3) Edital 05/2017, "Quarta do Tambor": voltado para a ocupação da Praça da Faustina com apresentações de tambor-de-crioula, durante todas as quartas-feiras até o dia 13 de dezembro de 2017. Inscrições até 21 de junho. Valores de apoio aos participantes: R$ 1.500,00 para cada grupo.

4) Edital 06/2017, "Casa do Maranhão": voltado à realização de apresentações de grupos de bumba-meu-boi e blocos "tradicionais" nesse espaço cultural ao longo do ano, até 16 de dezembro de 2017. Inscrições até o dia 21 de junho. Valores de apoio aos participantes: R$ 6.000,00 para os grupos de bumba-meu-boi e R$ 4.000,00 para blocos tradicionais carnavalescos.

5) Edital 07/2017, "Espigão Costeiro": destina-se à realização de apresentações musicais/shows e performances culturais aos domingos, até dia 17 de dezembro de 2017. Inscrições até o dia 21 de junho. Valores de apoio aos participantes: R$ 1.000,00 para artistas solo e R$ 3.000,00 para bandas/shows.


ANÁLISE

1) Conquistas

A iniciativa de "ocupar" os espaços culturais do Estado é uma iniciativa louvável. No estudo que defendi no Seminário informado anteriormente, dei o exemplo do Programa de Gratuidade de Pautas para os Espaços Culturais da SECULT, da Secretaria de Cultura da Bahia (SECULT/BA). Além disso, os espaços devem ser adequados às propostas culturais a serem realizadas - fato que é percebido nestes editais da SECTUR. Entretanto, cabe destacar que seria interessante a democratização de outros espaços, a exemplo dos teatros Arthur Azevedo, João do Vale, dos museus e dos Centros de Cultura Popular e de Criatividade. Assim, outros tipos de práticas culturais - da cultura "erudita" (que também deve ter o mesmo direito de existir!), de exposições de arte, intervenções teatrais, mostras de filmes e espaços de leitura, entre tantas outras atividades possíveis.

Outro aspecto positivo é a intenção da SECTUR em promover uma agenda cultural. Entende-se, assim, que os artistas, mestres da cultura popular, cantadores, brincantes, produtores culturais, técnicos de áudio, iluminação e outros profissionais do setor da Cultura precisam de atividades regulares, favorecendo a sua profissionalização. A concepção que era adotada até então, de apoiar apresentações somente em datas festivas, além de não oferecer acesso cultural regular tanto à população quanto atividades para quem "faz cultura", dissemina o péssimo conceito de Cultura como "entretenimento". Isso precisa urgentemente ser desconstruído, e parabéns a SECTUR por prover uma iniciativa que também é valiosa em termos de ideologia.

O terceiro ponto positivo dos editais - e o mais evidente - é permitir que qualquer proponente possa fazer parte da agenda cultural. Esse era um problema gravíssimo especialmente nos festejos juninos até 2014: uma equipe interna da então Secretaria de Cultura escolhia a dedo os grupos que poderiam participar. Nem é necessário dizer que havia determinados grupos privilegiados nesse processo. Mais uma vez, é louvável a iniciativa da SECTUR em publicar editais - um elemento que, apesar de ter os seus problemas, é um instrumento que contribuiu efetivamente para o exercício da democracia.

2) Considerações

Naturalmente, como todo processo de implementação de uma nova política pública, avaliações com vistas a melhorias devem ser feitas. O primeiro aspecto que chama a atenção é a delimitação estética de quem pode atuar conforme o tipo de atividade cultural. É certo que os espaços devem ser adequados aos tipos de evento, porém, ainda há uma forte delimitação que privilegia determinados tipos de prática cultural. Aqui, percebe-se a continuação do conceito estabelecido do que seria "cultura maranhense", instituído pelo Estado desde a gestão de Domingos Vieira Filho, com o apoio de José Sarney. O público precisa saber que o Maranhão foi um centro cultural cosmopolita durante o século XIX: o Teatro Arthur Azevedo possuía uma média de 3 récitas de óperas e operetas por semana; havia soirées (encontros noturnos de música, récita de poesias e exposição de quadros), bailes de máscaras, festejos religiosos,  e serestas, por onde circulavam tanto artistas estrangeiros quanto locais e pessoas de todas as classes sociais, em uma época onde os conceitos de "erudito" e "popular" se fundiam. O tenor, organista e professor de música Vicente Ferrer de Lyra (ca.1796-1857), por exemplo, escreveu motetos para serem interpretados pelo coro não da Capela Cistina ou de Notre Dame, e sim da Catedral do Maranhão! Por isso, essa produção deve possuir a mesma legitimidade de "maranhense" quanto o bumba-meu-boi, por exemplo - que, inclusive, surgiu na Bahia ou em Pernambuco, e não no Maranhão. Desconstruir esse conceito fechado de "cultura maranhense" deve ser uma missão a ser assumida, com vistas a instituir uma nova política cultural para o Maranhão.

Como consequência da delimitação estética, vários grupos culturais e artísticos não tem sequer chance de se escrever nos editais - com exceção do Edital n. 07/2017, do "Espigão Costeiro", que não define características estéticas de atuação. Por esse mesmo motivo, é provável que esse edital se torne um "guarda-chuva", onde irão se inscrever, por exemplo: bandas de fanfarra ou marciais, grupos de repentistas e violeiros, grupos de espetáculo teatral, grupos de dança popular, contemporânea ou tradicional, bandas de rock independente, bandas de jazz, blues e bossa nova, récitas de poesias... por esse motivo, é preciso reconhecer a real pluralidade da "cultura maranhense". Administrativamente, isso implica em buscar formas de não delimitar a proposta estética nos editais - a exemplo do que fez a FAPEMA no Edital 018/2017 - "Com Ciência Cultural".

Outra questão diz respeito às áreas das Artes contempladas. Mesmo fazendo parte da área de Música, reconheço que os editais publicados não oferecem a mesma abertura para essa área frente a Teatro, Artes Visuais, Dança, Literatura ou Audiovisual. Quem trabalha com Teatro, por exemplo, teria de adaptar seu espetáculo para o público infantil caso quisesse ter acesso por meio do Edital 04/2017, ou então tentar o edital "guarda-chuva" (07/2017). É importante ter isso em mente da próxima vez.

Com relação aos documentos solicitados, acredito que a SECTUR exagerou. A apresentação de um portfolio é válida, e serve como base para a avaliação pelas comissões dos editais. Agora a "Comprovação de consagração do artista pela crítica especializada ou pela opinião pública, conforme preconiza o artigo 25, inciso III da Lei Federal nº 8.666/1993", entre outros, é um tanto bizarra, principalmente impede a participação de artistas e bandas que pretendem entrar na agenda cultural. Pergunto: os artistas convidados pela SECTUR para os eventos de Revéillon, a cachets altíssimos, também são obrigados a apresentar esses documentos? Com certeza não. O envolvimento de "empresários", conforme solicitado em vários ítens, obriga os grupos  a serem gerenciados por um administrador, e isso não existe no caso de bandas e artistas independentes - sendo um potencial fator de exclusão para esses grupos. Curiosamente, o pedido de documentos também é excessivo para os grupos tradicionais, como os de tambor-de-crioula, bumba-meu-boi e blocos tradicionais. A conclusão é de que a documentação exigida não condiz com a proposta de "democratização" das ações culturais.

Por fim, é necessário apontar que essa pequena mudança na política cultural da SECTUR ainda está longe de atingir os objetivos dispostos no Plano Estadual de Cultura, o documento mais importante do setor em nível estadual - e que revela de forma mais clara a real amplitude da "cultura maranhense" em todo o Estado. Com vigência entre 2015 e 2025, uma ação importantíssima que ele prevê é a descentralização das ações culturais. As cidades e povoados do interior também precisam ter o mesmo direito de acesso a atividades culturais, tanto a população quanto os "fazedores de cultura". A política da SECTUR continua focando em São Luís, ignorando completamente o que acontece no Sul do Maranhão. Houve iniciativas anteriores com vistas a atenuar esse problema, como o "Projeto EMEM Itinerante", que levou professores da Escola de Música do Estado do Maranhão (EMEM) a treze municípios do interior entre 2013 e 2014, realizando intercâmbio e ações pedagógicas.


FINALIZAÇÃO

Os avanços da SECTUR devem ser reconhecidos, principalmente porque as políticas culturais do Maranhão se basearam por cerca de 50 anos na espetacularização turística da cultura afro-brasileira - onde quem menos se beneficiou foram justamente os "fazedores de cultura". Tratei sobre a história das políticas culturais maranhenses nesse artigo, para quem possa se interessar. É interessante, agora, ir tateando as possíveis mudanças, sempre refletindo sobre os impactos através do diálogo com a sociedade. A perspectiva é de que o Maranhão possa finalmente superar aos poucos o seu atraso histórico na Cultura e nas Artes.